Título: Gasolinaço na Bolívia gera protestos
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Fonte: O Globo, 30/12/2010, Economia, p. 31

Governo reajusta preços de combustíveis em até 83%. Sindicatos convocam manifestações

LA PAZ. As lojas da Bolívia subiram seus preços, enquanto sindicatos e organizações sociais preparavam protestos contra o forte aumento dos combustíveis anunciado pelo presidente Evo Morales. O "gasolinaço" de até 83%, anunciado no último domingo, visa a eliminar os subsídios aos combustíveis, de US$380 milhões por ano, ou cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos) boliviano.

O preço da gasolina foi reajustado em 72%, de 3,74 para 6,47 bolivianos. A gasolina especial passou de 4,79 a 7,51 bolivianos, uma alta de 57%, enquanto o diesel passou de 3,72 a 6,80 bolivianos, um aumento de 83%.

Ao anunciar a medida, Morales disse que outro objetivo é deixar os preços dos combustíveis mais próximos aos dos países vizinhos, para combater o contrabando.

- Não podemos subsidiar nem os contrabandistas nem os poderosos que têm cinco ou seis carros. Queremos que o dinheiro dos subsídios seja usado em benefício dos mais necessitados - disse Morales, acrescentando que contrabandistas vão à Bolívia "a pé, de bicicleta, burro, lhama" para comprar gasolina e diesel e revendê-los em Peru, Chile, Argentina e Brasil.

Morales desmente rumores sobre confisco bancário

A medida provocou uma onda de reajustes: as tarifas de transporte público saltaram 150%. Os alimentos também encareceram, e alguns produtos vêm sumindo das prateleiras. O governo, por sua vez, argumenta que o impacto do reajuste dos combustíveis nos demais preços seria de apenas 20%.

A bancada governista no Congresso boliviano defendeu o reajuste dos combustíveis, que classificou de uma medida dura mas necessária.

- Essa medida não tem volta porque não há outra saída para essa injustiça, que é uma herança das políticas neoliberais, de um modelo subvencionista que foi crescendo como um tumor que deteriora a economia - disse à Agência Boliviana de Informação (ABI) o deputado Juan Carlos Aparicio, do partido de Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS).

Mas várias organizações prometem protestos contra o chamado "gasolinaço". A Federação das Juntas Vicinais (Fejuve, na sigla em espanhol) de La Paz convocou uma marcha hoje. A capital é governada pela oposição. Já a Central Obrera Bolviana (COB) fará uma série de manifestações em todo o país no dia 3 de janeiro.

- O governo tem de revogar o "gasolinaço" e manter-se junto ao povo que o elegeu - disse a presidente da Fejuve de El Alto, Fanny Nina.

A organização ficou conhecida por liderar, em 2003, os protestos que derrubaram o governo neoliberal de Gonzalo Sánchez de Lozada.

Enquanto isso, os serviços de transporte urbano e de longa distância operavam em meio ao caos das tarifas. O governo determinou que os reajustes das passagens não passem de 30%, mas as empresas de transporte reivindicam 100%. Enquanto isso, motoristas de vans cobram o que bem entendem.

Ainda circularam rumores de um confisco bancário, o que levou os bolivianos a correrem para os bancos. No início da noite, Morales assegurou que isso não ocorreria.

- Quero que saibam que não haverá qualquer corralito bancário - disse ele, atribuindo os rumores à oposição.

Já a Associação dos Bancos Privados da Bolívia afirmou em nota que o sistema bancário do país é sólido e confiável.

YPFB promete reajustar preço interno do petróleo

Para tentar conter a insatisfação popular, Morales deve anunciar uma "melhora significativa" nos salários, disseram ontem fontes do governo. Outras medidas seriam a autorização para a compra direta de kits de conversão de automóveis para gás natural e incentivos à produção de petróleo e derivados. Ontem, a estatal YPFB disse que vai subir o preço interno do petróleo, ou seja, o que paga às petrolíferas.

O valor está congelado em US$29 por barril há quase dez anos. O presidente da YPFB, Carlos Villegas, não informou qual será o novo valor, mas o ministro de Hidrocarbonetos, Fernando Vincenti, havia sugerido US$59 por barril.

- Até agora as empresas recebem apenas US$10 por barril (descontados os impostos), enquanto o preço internacional está em US$80 - disse Villegas, admitindo que o valor desestimulava a produção no país.

A decisão da YPFB vai beneficiar empresas como a Petrobras, que vinha reduzindo suas atividades na Bolívia. O país produz em média 43 mil barris de óleo pesado, para um consumo interno de 60 mil barris, segundo a YPFB.