Título: Na despedida, provocação aos EUA
Autor: Damé, Luiza; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 01/01/2011, O País, p. 3

No último dia de governo, Lula recebe autoridades de Cuba e Palestina

BRASÍLIA. Mesmo sem uma solenidade pública para falar, o ex-presidente Lula deu um jeito de, no último dia no exercício do cargo, improvisar um evento para fazer o derradeiro discurso: de manhã, ao receber cumprimento de servidores e ministros. Emocionado, mas sem chorar, fez um balanço de seus dois mandatos, leu um trecho de seu programa de governo de 2002, no qual anunciava que lutaria para que não se repetisse o que ocorrera na década de 90, segundo ele: a população sem usufruir conquistas no campo econômico.

Para Lula, ele passará para a História como o único presidente que fez mais do que prometera no programa de governo. Ele também aproveitou para alfinetar a oposição, pela última vez no cargo:

- Eu gosto de falar "nunca antes" porque sei que tem adversários e gente que não gosta, que sofre quando eu falo. Como eles pensam que sofro quando eles falam mal de mim, então retribuo dizendo que nunca antes na História do país houve, dentre deste palácio, nesta sala, a quantidade de movimentos sociais participando, falando, propondo e decidindo políticas que o governo brasileiro tinha que executar.

Lula também lembrou que sempre orientou o chefe da segurança da Presidência, Gonçalves Dias, que ontem deixou a função, a não agir contra os populares. Revelou que, nessas conversas, sugeriu que deixasse a confusão para os militantes:

- Todas as vezes em que conversávamos eu dizia: "General, não quero que nossa segurança oficial levante um dedo para uma pessoa". Quem tem que fazer isso é o nosso pessoal, lá embaixo, e não nossos seguranças. Vamos terminar oito anos, eu diria, como exemplo.

A última canetada de Lula no comando do país foi para demitir os seus ministros e secretários-executivos que não serão mantidos nos cargos por sua sucessora, Dilma Rousseff. A demissão dos ministros está publicada no Diário Oficial de hoje. Numa edição extra do Diário Oficial, também hoje, Dilma nomeia os seus ministros e os secretários-executivos. É uma edição especial que sai com a faixa presidencial estampada na primeira página.

Ontem, após assinar a decisão de não extraditar Cesare Battisti, Lula recebeu homenagem de servidores do governo, que lotaram o Salão Oeste. Os ministros se despediram no Salão Nobre. E, quase como provocação aos Estados Unidos, seus dois últimos compromissos oficiais foram audiências com representantes de países que não têm toda simpatia dos americanos: José Jamón Machado Ventura, vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba, e Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina.

Anteontem, Lula também recebeu funcionários e populares, incluindo uma senhora de 102 anos, uma quilombola, que não media mais de 1,20m. Lula se ajoelhou para posar para a foto, abraçou-a e beijou-a.

- Eu conheço o senhor da televisão - disse a mulher. - Mas agora não vejo mais o senhor porque minha televisão quebrou.

Lula sugeriu que ela mandasse consertar o aparelho.

- Tem jeito não, meu filho. Aquilo não tem mais conserto - respondeu.

O presidente prometeu visitá-la em abril.