Título: Não tenho arrependimento, tampouco rancor
Autor: Jungblut, Cristiane ; Lima, Maria
Fonte: O Globo, 02/01/2011, O País, p. 4

Na posse no Congresso, Dilma estende a mão à oposição, relembra companheiros mortos e diz que será presidente de todos

BRASÍLIA. No discurso de 40 minutos, feito após assinatura do termo de posse no Congresso, a presidente Dilma Rousseff apresentou uma espécie de carta aos brasileiros. Reafirmou compromissos com a estabilidade econômica e o respeito às instituições, aos direitos humanos e à liberdade de expressão, citou o ex-presidente Lula nove vezes e prometeu que sua luta mais obstinada será contra a miséria. Embora lembrando o legado social de Lula, Dilma disse que a pobreza ainda envergonha o Brasil.

No fim do discurso, Dilma embargou a voz ao falar de companheiros do combate à ditadura e citou um trecho de Guimarães Rosa para ressaltar a coragem que precisará ter para enfrentar os desafios de ser a primeira mulher presidente do Brasil.

Dilma lembrou que muitos de sua geração tombaram pelo caminho, por isso dividia com eles a conquista da Presidência. Na tribuna de honra, ao lado da filha, Paula, o ex-guerrilheiro Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, ficou emocionado.

- Dediquei toda a minha vida à causa do Brasil; entreguei, como muitos aqui, minha juventude ao sonho de um país justo e democrático; suportei as adversidades mais extremas, infligidas a todos que ousamos enfrentar o arbítrio. Não tenho qualquer arrependimento, tampouco tenho ressentimento ou rancor. É com essa coragem que vou governar o Brasil. Mas mulher não é só coragem, é carinho também; carinho que dedico à minha filha e ao meu neto, carinho com que abraço a minha mãe, que me acompanha e me abençoa. É com esse imenso carinho que quero cuidar do meu povo e, a ele, dedicar os próximos anos da minha vida.

Mais descontração que no dia da diplomação

Mais leve e sorridente que no dia da diplomação no Tribunal Superior Eleitoral, Dilma entrou no plenário da Câmara descontraída, dando beijinhos nos amigos e aliados por bom tempo. Usava vestido pérola com um casaco de renda trançada. O plenário estava lotado, com parlamentares e governadores tucanos, liderados por Marconi Perillo. No discurso, Dilma prometeu governar sem perseguir ninguém.

Ao citar o legado de Lula, ela disse que houve expressiva mobilidade social, mas admitiu que há muito a ser feito:

- Ainda existe pobreza a envergonhar nosso país e a impedir nossa afirmação plena como povo desenvolvido. Não vou descansar enquanto houver brasileiro sem alimento na mesa. É este o sonho que vou perseguir.

Ela prometeu ampliar investimentos públicos, melhorando a qualidade do gasto público. Disse ainda que melhorará o serviço público, com consolidação do SUS e ampliação do ProUni.

- No ensino médio, além do aumento do investimento público, vamos estender a vitoriosa experiência do ProUni para o ensino médio e profissionalizante.

Dilma prometeu combate à inflação, que chamou de "praga":

- A inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador. Não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que essa praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres.

Promessa de reformas política e tributária

Como todos os presidentes que assumem, Dilma prometeu as reformas política e tributária. Foi aplaudida quando defendeu mudanças no sistema político.

- É, portanto, inadiável a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade.

Diante de presidentes como o venezuelano Hugo Chávez e embaixadores de praticamente todos os países representados em Brasília, ela defendeu, na política internacional, multilateralismo e defesa dos direitos humanos.

- Não faremos concessão ao protecionismo dos países ricos, que sufoca qualquer possibilidade de superação da pobreza de tantas nações pela via do esforço de produção.

O tom e os temas abordados no discurso, todo ele lido, foram decididos em conversas de Dilma com os ministros Antonio Palocci e José Pimentel, além do marqueteiro João Santana. O texto final foi de Dilma.

A solenidade foi comandada pelo presidente do Senado, José Sarney. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), ofereceu a Dilma sua caneta, para assinatura do termo de posse, mas ela preferiu a oferecida por Sarney. Além de estender a mão à oposição, Dilma disse que vai governar para todos:

- Não venho para enaltecer a minha biografia, mas para glorificar a vida de cada mulher brasileira. Meu compromisso supremo, reitero, é honrar as mulheres, proteger os mais frágeis e governar para todos.

No início do discurso, ao falar da responsabilidade de dirigir o Brasil, Dilma disse que é aparente a suavidade da seda verde-amarela da faixa presidencial e destacou a coragem da mulher brasileira. E leu um trecho do escritor mineiro Guimarães Rosa: "O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem".