Título: Lula passa a faixa e chora nos braços do povo
Autor:
Fonte: O Globo, 02/01/2011, O País, p. 9

Visivelmente emocionado durante todo o dia, ex-presidente chegou a tomar um uísque para se acalmar

BRASÍLIA. O ex-presidente Lula não resistiu e foi chorar nos braços do povo após passar a faixa para Dilma Rousseff e descer a rampa do Palácio do Planalto pela última vez. Inicialmente, Lula até que seguiu o protocolo da solenidade. Diferentemente do que alguns esperavam, ele não discursou, para não nublar o dia de brilho de Dilma. Porém, ao descer a rampa, decidiu não entrar no carro oficial com dona Marisa, como estava programado. Atravessou a avenida em direção à Praça dos Três Poderes para cumprimentar pessoas que, desde cedo, enfrentando a chuva, esperavam por uma última oportunidade de tirar uma foto com ele.

Eram 16h37m quando Lula desceu a rampa interna do terceiro andar para o salão nobre, no Palácio do Planalto. Centenas de convidados o aguardavam. Lula e dona Marisa foram saudados pelo coro que acompanha o petista desde que disputou a Presidência pela primeira vez, em 1989: "Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula".

Dona Marisa não consegue reter lágrimas no Parlatório

O presidente cumprimentou rapidamente antigos auxiliares e demorou-se num abraço e num beijo na mãe da presidente Dilma Rousseff, dona Dilma, e na tia da petista, Arilda. Depois, foi abraçar governadores, parlamentares, amigos e parentes, entre eles os filhos Lurian, Luiz Cláudio e Sandro Luiz.

Ao se encontrar com Dilma no alto da rampa, Lula deu um abraço afetuoso na sucessora. Depois se dirigiram ao Parlatório, onde Dilma faria seu discurso para a multidão que a aguardava na Praça dos Três Poderes. Enquanto o Hino Nacional era tocado, dona Marisa emocionou-se e enxugou uma lágrima. Lula a confortou. Depois, ela novamente voltou a enxugar lágrimas, que não chegaram a borrar sua maquiagem.

Lula ora acenava para a multidão, ora sorria, ora mantinha o semblante sério. O ex-chefe de gabinete de Lula e novo ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, contou, mais cedo, que o presidente estava muito emocionado e chorara algumas vezes durante o dia. Para conter a emoção, segundo Carvalho, Lula valeu-se de um copo de uísque.

Às 17h15m, enquanto Dilma já recebia cumprimentos de autoridades estrangeiras, Lula começou a se despedir dos antigos companheiros. Quase todos os convidados queriam um lugar mais à frente para uma foto com ele. Eram tantas as mãos que procuravam Lula que, depois de algum tempo, coube a dona Marisa puxá-lo do meio da multidão. Antes de descer a rampa, dona Marisa ajeitou-lhe os cabelos.

Lula desceu a rampa de braços dados com a mulher e com a presidente Dilma. Ex-ministros o acompanharam. O vice-presidente Michel Temer ficou atrás, mas Lula fez questão de chamá-lo para se juntar ao grupo.

Às 17h40m, Lula saiu do Planalto e foi ao encontro dos populares que o aguardavam desde cedo e não saíram dali nem sob chuva. Por cerca de cinco minutos, foi abraçado, tocado e fotografado. O ex-presidente, descabelado, suado e esmagado entre seguranças e repórteres, cumprimentou uma a uma as pessoas que se apertavam na grade da segurança. Em certo momento, não conteve o choro.

Público se emociona em contato com o ex-presidente

Dona Malvina Joana de Lima, de 60 anos, pediu que Lula não a abandonasse. Contou que já tinha ido pela manhã ao Palácio da Alvorada e não medira esforços para ficar na primeira fila.

- Eu perguntei ao presidente: "Você não vai nos abandonar, não é?" Ele respondeu: "Não, vou estar sempre com vocês, fazendo trabalho e me envolvendo em movimentos" - contou Malvina, que é funcionária pública e mora em São Paulo.

Chorando copiosamente, Maristela Leal, de 29 anos, relatou que o presidente estava bastante emocionado:

- Só conseguimos tirar uma foto - disse.

Robson Messias Lucas, de 40 anos, estava acampado há dez dias na Praça dos Três Poderes para despedir-se de Lula. Ele mora em Bom Jesus do Tocantins, no Pará.

- Ele só pegou na minha cabeça e me abraçou. Valeram os dez dias aqui - afirmou.

Os seguranças tentaram conter os jornalistas, mas não conseguiram.

Em seguida, Lula foi levado em carro oficial até a Base Aérea, onde o aguardavam amigos, funcionários, petistas, familiares e o presidente do Senado, José Sarney. A banda da Aeronáutica tocou canções para despedir-se de Lula. Começou com "There are places I remember", dos Beatles, cuja letra diz: "Eu sei que nunca perderei a afeição por pessoas e coisas que se foram antes/ Eu sei que vou parar e pensar nelas/ Na minha vida, eu te amei mais".

A banda também tocou "Amigos para sempre" e o tema da vitória de Ayrton Senna. Alguns funcionários levaram os filhos para ser abraçados por Lula, que já tinha tirado a gravata a essa altura. Ele abraçou as pessoas emocionado, com a expressão de choro estampada no rosto.

Lula reuniu-se com a equipe de seguranças do Palácio do Planalto para uma última foto. Ficou ajoelhado, ao lado de seu ex-chefe de segurança, o general Dias. Sarney levou o ex-presidente até a escada do Aerolula, onde foi recebido pela equipe da Presidência com uma taça de champanhe, e brindou com eles. (Chico de Gois, Luiza Damé, Jailton de Carvalho, Roberto Maltchik, Fábio Fabrini e Carolina Brígido)