Título: Hora de descobrir quem é a Dilma presidente
Autor: Jungblut, Cristiane ; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 02/01/2011, O País, p. 12A

Para colegas, a ministra com estilo durão saiu de cena, e país se surpreenderá com sua maneira de trabalhar

BRASÍLIA. Aqueles que convivem há algum tempo com a presidente Dilma Rousseff têm basicamente a mesma opinião: somente a partir de agora o Brasil saberá de fato como será, na Presidência da República, a filha de pai búlgaro e mãe brasileira que, na juventude, passou três anos de sua vida na prisão e que décadas mais tarde, a caminho do auge de sua vida pública, superou um câncer e políticos tradicionais na primeira eleição que disputou. Nesse novo contexto, a ministra exigente e durona, aquela que encantou o presidente Lula, saiu de cena, dando lugar a uma pessoa que procura capitalizar tudo o que aprendeu em 60 anos de vida, em especial o que aprendeu de política nos últimos dois ou três anos.

O estilo que Dilma poderá imprimir no comando do país começou a ser percebido a partir do momento em que ela começou a montar seu Ministério, no governo de transição. Recorrer a táticas aprendidas no seu passado de guerrilheira foi uma prática discretamente usada pela presidente, mas percebida pelos interlocutores mais frequentes no processo de montagem do novo governo.

Cuidado com vazamentos

Dilma demonstrou que não gosta de reuniões cheias para negociações e decisões específicas. Prefere encontros com duas, três pessoas no máximo e, de preferência, com ninguém esperando na antessala. Se a informação vazar, sabe de onde saiu, conta um dos auxiliares mais próximos.

- Isso é segurança da informação, usada tanto como tática em guerrilha como por grandes empresas - arrisca a dizer Antonio Jorge Ramalho, especialista em estratégia militar.

Dilma fala sobre assuntos específicos a pessoas específicas, princípio que se aplicou aos coordenadores da transição: Antonio Palocci, escolhido para a Casa Civil; José Eduardo Cardozo, que assumirá o Ministério da Justiça; e José Eduardo Dutra, presidente do PT. Sempre atenta às informações passadas a cada um. Ou seja, ninguém pode assegurar que Dutra ou Cardozo soubessem tudo o que a presidente eleita conversava com Palocci, por exemplo.

Além desse estilo próprio de se relacionar com os auxiliares, a nova presidente será, para o público externo, muito diferente do que foi até o último minuto seu criador e antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. A Dilma não interessa a publicidade, garantem os mais próximos. Será uma presidente low profile, que não gosta de aparecer muito na mídia. Sua personalidade revela uma pessoa discreta, mas que sabe que precisa se impor por se tratar de uma mulher cercada de homens.

Quem acompanhava os discursos de improviso feitos por Lula não verá o mesmo procedimento por parte da nova presidente. Auxiliares afirmam que ela segue o que foi escrito à risca, provavelmente na tentativa de não ser prolixa, adjetivo usado por seus adversários, incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao apontar suas supostas deficiências. O tucano declarou, semana passada, que não consegue entender o que Dilma diz.

Para o cientista político João Paulo Peixoto, Dilma está, por enquanto, limitada pela sombra de Lula. Ele acredita que os dois têm personalidades bem diferentes, mas isso só será evidenciado depois da posse.

- No sábado, assistimos à despedida do Lula ou à posse da Dilma? Nunca vi um presidente, até o último dia de seu mandato, dominar tanto o noticiário na História da República. Normalmente, quem está saindo vai para a quarta ou quinta página dos jornais meses antes de deixar o poder - comenta Peixoto.

Estilo agressivo causava irritação

Inicialmente, o estilo agressivo de Dilma causava desconforto, e até irritação, entre os colegas de Ministério. Quem conseguiu construir uma relação de amizade a ponto de ter liberdade para rebater suas duras cobranças foi o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. O "leal Paulinho", como é chamado carinhosamente pela presidente. E Paulinho gosta de se referir a ela como Dilminha, eternizando a brincadeira.

Quando ministra, Dilma usava sempre um computador - foi, aliás, com essa ferramenta a tiracolo que ela impressionou o então presidente eleito Lula, em 2002, na equipe de transição. Ao apresentar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no início de 2007, a então ministra da Casa Civil tinha um laptop à mão para mostrar a situação de todas as obras. Também ficou famosa pelas longas apresentações com PowerPoint - que acabaram virando alvo de brincadeiras dos próprios ministros.

Dilma gosta de supervisionar todos os assuntos pessoalmente. Agora, como presidente, talvez tenha que se adaptar a delegar, mas seus colaboradores lembram que ela tem a vantagem de "saber fácil onde está o defeito".

Fez sua fama de técnica na Fundação de Economia e Estatística, do Rio Grande do Sul. Sua militância sempre foi dentro do PDT, ao lado do ex-marido Carlos Araújo, até o rompimento com os trabalhistas, para permanecer no governo do petista Olívio Dutra.

Ironicamente, ganhou notoriedade no plano nacional durante o apagão do governo Fernando Henrique. Então secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul - estado que ficou livre do racionamento -, Dilma tinha seu nome citado pelo então ministro da Casa Civil, Pedro Parente. A fama construída nesse período a levou para a equipe de transição de Lula, em 2002.

Ano passado, quando houve novo apagão no país, ela já não estava no Ministério de Minas e Energia, mas não se livrou da responsabilidade que lhe foi atribuída pelos adversários do governo.

Muito metódica e disciplinada

Pessoas que trabalharam nesses anos com Dilma a classificam como uma "pessoa muito disciplinada e metódica". Também é famosa pelo seu estilo de cobrança. Apesar dos elogios, mesmo seus admiradores admitem que a presidente às vezes "extrapola um pouco" na ênfase do trabalho.

Muito ligada à família, Dilma lê sobre diversos assuntos e, de acordo com assessores, é bastante estudiosa. Quando escolhe um tema, estuda-o à exaustão e quer sempre à disposição todas as alternativas.

- Dizem que ela é impaciente, mas não é verdade. Quando se dispõe a resolver uma questão, ouve atentamente todas as opiniões antes de chegar a uma conclusão - comentou um assessor.