Título: Israel não acredita na paz
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 03/01/2011, O Mundo, p. 22

Presidente palestino defende pressão para isolar o país na questão dos assentamentos

BRASÍLIA. Protagonista do último compromisso oficial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, retorna ao Oriente Médio com a certeza de que o Brasil será um de seus principais aliados em 2011. Da presidente Dilma Rousseff, espera solidariedade. De Lula, mediação no conflito com Israel. Abbas também aproveitou os quatro dias em Brasília para agradecer o uruguaio José Mujica, que seguiu o Brasil e reconheceu o Estado palestino, considerando as fronteiras anteriores a 1967 (Gaza e Cisjordânia). E avançou nas negociações com o chileno Sebástian Piñera para que o Chile seja o próximo a seguir o mesmo caminho. Ontem, minutos antes de ser recebido por Dilma no Planalto, Abbas conversou com o GLOBO na suíte de um hotel em Brasília. Revelou que receberá Lula em Ramallah nos próximos meses; disse que aposta no isolamento do governo de Israel para impedir o avanço das colônias judaicas em Jerusalém; e admitiu que Gaza ainda é um campo minado, especialmente por causa da influência das armas e do dinheiro do Irã.

O que senhor espera da presidente Dilma Rousseff e o que dirá a ela ?

MAHMOUD ABBAS: Eu vou dizer a ela que nós estamos muito agradecidos pela posição do governo brasileiro, que foi o primeiro no continente a reconhecer o Estado palestino, e pela designação de local para a embaixada e para a residência do embaixador em Brasília. Nós temos muito apoio da política de Brasília e temos certeza que a presidente vai prosseguir com essa política no futuro.

O que o Brasil pode oferecer à Palestina?

ABBAS: Ajuda para ressuscitar o processo de paz. Nós precisamos de ajuda. Não estamos pedindo mais do que o Brasil já está fazendo. Pedimos que continue fazendo o mesmo. Se no futuro, nós precisarmos mais, claro que nós vamos pedir.

Qual é o papel que o ex-presidente Lula terá no processo de paz fora do governo?

ABBAS: O presidente Lula é uma proeminente personalidade internacional. Todo mundo sabe que ele é um político sério e sincero. As pessoas o escutam e eu espero que ele tenha um papel fundamental.

Qual foi a mensagem dele, na audiência da última sexta-feira?

ABBAS: Ele disse que está pronto para fazer tudo o que puder por nós no futuro. Ele acredita que pode fazer alguma coisa. Não sabemos exatamente qual será o papel dele, mas, seja qual for, será produtivo. Ele tem boa relação com os países árabes, com a Palestina, em particular, e com os israelenses. Então, com essa capacidade, eu acho que ele pode fazer muito. Ele disse que quer participar do processo de paz de maneira muito dedicada.

Qual era o ânimo dele?

ABBAS: Ele estava convencido que o papel dele, neste mandato, estava terminado e que fez o possível para que a presidente Dilma Rousseff fosse eleita. Ele demonstrava a noção que tudo tem que ter um começo e um fim. Estava muito orgulhoso.

Já está marcado um novo encontro com o ex-presidente Lula?

ABBAS: Sim. Ele visitará a Palestina muito brevemente. Ainda não sabemos exatamente quando. Nós o convidamos e dependerá dele a definição da data.

O senhor defende que o Brasil mande tropas à Palestina, caso uma Força de Paz das Nações Unidas seja designada?

ABBAS: Esse não é um assunto para nós. Quando nós falamos de uma terceira força, que irá para a Palestina no dia seguinte à declaração de independência, se as Nações Unidas escolherem o Brasil ou a Argentina nós aceitamos. Não importa quem seja chamado para manter a paz.

O presidente dos Estados Unidos Barack Obama enfrenta graves problemas domésticos e teve que buscar apoio dentro do Partido Republicano, alinhado com Israel. Esse cenário pode prejudicar o processo de paz?

ABBAS: Eu sei que ele tem seus problemas domésticos, mas, apesar disso, eu acredito que ele pode fazer mais e mais, porque ele é o líder de uma superpotência. O presidente Obama acredita que o conflito do Oriente Médio tem a prioridade sobre os outros conflitos. Ele acredita que, se resolver esse problema, todas as outras disputas podem diminuir.

Mas, sob pressão republicana, Obama terá condições de negociar com Israel o congelamento dos assentamentos judaicos em Jerusalém?

ABBAS: Ele tem legitimidade da comunidade internacional para fazer isso. O processo depende disso. Paralelamente, nós temos cerca de 15 resoluções do Conselho de Segurança da ONU, todas tratando da ilegalidade dos assentamentos. Então, ele pode pôr o seu peso (na negociação) com os israelenses.

Mas o governo de Israel não parece interessado em congelar os assentamentos.

ABBAS: Esse não é meu problema. É problema deles. Se eles não se importam com nada, se eles não escutam ninguém, isso significa que eles não querem a paz. Eles não acreditam na paz. Então, quem pode pôr pressão neles? Só os Estados Unidos. Paralelamente, a comunidade internacional. Então, Israel vai ficar isolado. O governo de Israel vai ficar isolado.

Recentemente, o senhor disse que aposta no sucesso do processo de paz em oito meses. Qual o motivo de tanto otimismo, se as conversas diretas com Israel estão paralisadas?

ABBAS: Todos os aspectos centrais da negociação já foram tratados exaustivamente. Com Olmert (Ehud Olmert, ex-premier de Israel), tudo foi discutido e com os americanos também. Todos os temas são bem conhecidos. Precisamos agora apenas de decisões, não de negociações. Para isso, precisamos de boas intenções dos dois lados, não só do lado de Israel. Com isso, nós podemos resolver o problema em um ou dois meses.

O que a Autoridade Nacional Palestina (ANP) pode fazer para que isso ocorra?

ABBAS: Nós estamos prontos. Todos os aspectos centrais (da negociação) foram colocados por escrito e já foram submetidos aos americanos e aos israelenses. Mas não houve resposta por ambos. Não recebemos nenhuma reação ou impressão da parte deles. Então, tudo que poderia ser feito pela nossa parte, já foi feito. Estou pronto para dar e receber, mas se o outro lado não dá nada em troca, ou não oferece nenhuma reação, quem vai ser culpado?

Onde a ANP está disposta a ceder?

ABBAS: Eu já propus seis ou sete pontos de fronteira que estamos dispostos a trocar. Então, nós precisamos sentar (para conversar).

Por que a Autoridade Palestina critica tanto o governo do Irã?

ABBAS: Porque eles interferem nos nossos assuntos internos.

Eles mandam armas para o Hamas em Gaza?

ABBAS: Todo mundo sabe que eles mandam armas e dinheiro para o Hamas. Eu não preciso dizer isso. Todo mundo sabe disso.

É possível ter um processo de paz com essa situação?

ABBAS: Eu sei que o Hamas está sob pressão dos iranianos e nós esperamos que, em um presente muito próximo, nós possamos obter a reconciliação com o Hamas.