Título: Da água ao vinho
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 21/07/2009, Política, p. 5

Governo estuda inserir no relatório final da CPI norma para licitações da Petrobras. Assim, aliviaria dor de cabeça da direção da empresa. O relator da CPI, senador Romero Jucá, tenta transformar a investigação da comissão em agenda positiva

Mal foi instalada, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras já caminha para trazer mais benesses do que dores de cabeça para a direção da estatal. Uma articulação encabeçada por senadores do governo pretende inserir, no relatório final da CPI, que só começa os trabalhos após o recesso parlamentar, em 3 de agosto, dispositivo que abrirá portas para a criação de norma específica para as licitações da empresa. O tema é controverso e, na tentativa de evitar embargos e indisposições públicas, está sendo tratado com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), principal inquisidor dos procedimentos licitatórios da Petrobras.

A proposta é o primeiro passo de uma estratégia ainda maior: a de transformar a CPI da Petrobras em uma investigação propositiva, que traga, em vez de acusações de má gestão da estatal, propostas para o seu aprimoramento. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), relator da CPI, é quem está arquitetando a operação que pretende transformar a investigação em palco para uma agenda positiva.

O TCU foi envolvido na articulação. O tribunal sempre disse que, se há quem defenda um prisma diferenciado para as licitações da Petrobras ¿ em função da concorrência com mercados internos e externos ¿, que seja feita norma específica para isso. O Senado decidiu dar ouvidos à prerrogativa.

O tribunal questiona a Petrobras no que diz respeito a contratos formalizados por licitações. Para o TCU, a estatal deveria se basear na Lei Geral de Licitações, a de nº 8.666/93(1), que trata das normas para toda a Administração Pública. Já a estatal defende que tem o direito de nortear suas licitações com base em um decreto formalizado durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Costura

Para manter seus negócios mesmo diante das proibições do TCU, a Petrobras tem se amparado em liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não decidiu sobre o mérito da questão. A base do governo quer dar um fim nesse impasse, criando legislação específica para as licitações da estatal.

Ainda este ano, o presidente da corte, ministro Ubiratan Aguiar, foi ao Congresso conversar com senadores. A disposição deu resultado e, de maio a junho, foram elaborados dois projetos de lei que tratam do tema. As propostas são similares e estabelecem normas específicas para contratos de empresas públicas e sociedades de economia mista. O primeiro foi feito pela senadora Marisa Serrano (PSDB-MS). O segundo, pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

1 - NORMAS A Lei nº 8.666 estabelece normas gerais, solicitações e contratos administrativos pertinentes a obras e serviços ¿ inclusive de publicidade ¿, compras, alienações e locações no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Segundo o texto, além dos órgãos da administração direta, fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente por União, estados, Distrito Federal ou municípios devem obedecer às determinações da lei.

Análise da notícia Denúncia esvaziada

A articulação na Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras em prol da aprovação de uma norma específica para licitações de empresas públicas e sociedades de economia mista é o primeiro passo dado pela base do governo para fazer com que, diante dos holofotes, a CPI perca o caráter de denúncia. Nos bastidores, no entanto, as coisas continuam como antes.

A base do governo tenta segurar a oposição usando como arreio os contratos e a gestão da estatal durante os oito anos de governo tucano do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Com isso, espera controlar a sanha do PSDB de transformar a CPI em palanque contra a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República em 2010. Desde o início, era essa a estratégia da oposição: usar a Petrobras como arma para mirar em Dilma.