Título: Contra a dignidade
Autor:
Fonte: O Globo, 10/01/2011, Opinião, p. 6

A discriminação, de qualquer espécie, é inaceitável manifestação de intolerância que afronta os mais comezinhos princípios de civilidade, a ponto de a Declaração Universal dos Direitos do Homem condenar explicitamente todo tipo de intransigência ditada por pensamentos e atos que atentem contra a dignidade humana. No Brasil, que subscreve o documento, o legislador teve o cuidado de transpor o espírito de congraçamento da Carta da ONU para a Constituição de 1988, nela inscrevendo como abominável a segregação de qualquer natureza. Dessa forma, o país comunga com as modernas sociedades democráticas que varreram para o lixo da História o entulho ideológico e cultural que dava corpo a odiosas práticas de distinção entre os seres humanos em razão de suas opções políticas, raciais, sociais, sexuais e outras.

No caso da homofobia, a intolerância com a opção sexual vai além do terreno das demonstrações de discriminação, por si só condenáveis, e se manifesta igualmente em atos de violência física - o que joga no colo do banditismo aqueles que agridem as vítimas de seu barbarismo. Exemplos dessa maneira tortuosa de se portar em sociedade têm sido preocupantemente cada vez mais comuns: no fim do ano passado, cinco jovens, sendo quatro deles menores de idade, agrediram homossexuais na Avenida Paulista movidos pela gratuita evidência de que estavam dando corpo a deplorável manifestação de sexismo. No Rio, na mesma semana, um soldado do Exército baleou um rapaz que participara, pouco antes, de uma passeata contra a perseguição sexual. À parte estes casos específicos, documentados pela imprensa, dos boletins de ocorrência de delegacias de todo o país salta um dado ainda mais macabro: estima-se, por esses registros oficiais, que duas centenas de homossexuais são vítimas de assassinato por ano no Brasil.

Essa perigosa escalada de um tipo de discriminação que resvala para a violência física precisa ser contida, por todos os meios de proteção de que a sociedade dispõe. Trata-se não só de garantir o direito constitucionalmente assegurado de liberdade de escolha, mas também de preservar a segurança de cidadãos ameaçados por grupos que agem levados por patológicos desvios.

O país já tipificou em legislações específicas dispositivos que punem outros tipos de demonstração de intolerância social. É o caso do racismo e de agressões à mulher. Em relação à homofobia, doença social agravada pela violência física dela decorrente, é imperioso que também se conte com um arcabouço jurídico para desestimular tais exibições segregacionistas, estipulando punições exemplares.

Em boa hora, portanto, o Legislativo examina o projeto de lei 122/2006, que criminaliza a homofobia, definindo como crime passível de penas - numa gradação que vai da multa à detenção - a discriminação por orientação de sexo e identidade de gênero. Uma vez transformado em lei, o texto dotará o Estado de instrumento com poder coercitivo de combater a intolerância sexual. Será um passo importante, na esfera legal, mas não o suficiente para enfrentar o problema de forma global. Como na luta contra qualquer tipo de discriminação, trata-se também de buscar mudanças no campo do comportamento e da cultura da sociedade.