Título: Um barril de pólvora político
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 10/01/2011, O Mundo, p. 20

Crime nos EUA causa onda de reações aos discursos incendiários do Tea Party

O disparo que transformou a deputada democrata Gabrielle Giffords na primeira vítima de um atentado político em três décadas nos EUA deflagrou uma onda de reações nos EUA contra o clima belicoso no atual debate político no país. A congressista ¿ que permanece em estado crítico depois que uma bala entrou abaixo de seu ouvido e saiu pela testa ¿ tem chances de recuperar-se por conta da curta trajetória do projétil, segundo informe do Centro Médico da Universidade do Arizona, mas já se tornou a nova face da forte reação que agora acusa o Tea Party de incendiar os ânimos.

Desde a vitória da oposição nas eleições legislativas de novembro e após a posse da nova Câmara de maioria republicana, na semana passada, os ataques ao governo recrudesceram em número e no tom de agressividade.

A emoção e as repercussões desencadeadas pelo tiroteio no fim de semana, que causou seis mortes e 20 feridos, obrigaram os líderes republicanos a adiar seus esforços para revogar a reforma da saúde, previamente agendada para esta quarta-feira. No rastro deixado pelos disparos, também emergiu novamente o debate sobre o direito de posse de armas no país. O deputado democrata pelo Arizona, Raúl Grijalva, defendeu ontem que a legislação seja reexaminada. A lei sobre o controle de armas no Arizona é tida como uma das mais lenientes do país.

Bilhete de suspeito faz menção a crime

Os principais alvos dos democratas são a ex-governadora do Alasca, Sarah Palin e os líderes do Tea Party. Na campanha de 2010, Palin divulgou panfletos em que exortava os eleitores a impedir a vitória no pleito legislativo de 20 políticos que haviam votado a favor da reforma da saúde, entre os quais estava o nome de Gabrielle Giffords. E no centro da polêmica estão as imagens usadas no material de propaganda política do Tea Party, ilustrado por um mapa dos EUA cravado de desenhos de miras telescópicas dirigidos aos distritos dos congressistas visados, ou de fotos da própria Sarah Palin assestando um potente fuzil contra o símbolo do Partido Democrata.

O senador republicano Lamar Alexander acusou a mídia americana de ¿irresponsável¿ por fazer a ilação entre os dois episódios, e assessores de Sarah Palin trataram de argumentar que a propaganda de 2010 ¿nada tinha a ver com violência ou armas¿. Em um post no Facebook, ela expressou suas ¿sinceras condolências¿ à família de Giffords e das demais vítimas.

Embora sem desconsiderar totalmente a hipótese de cumplicidade no ataque no estado do Arizona , a polícia americana descartou ontem a participação de um segundo suspeito no ataque. Por enquanto, o FBI, a polícia federal americana ¿ que passou a comandar a investigação por ordem do presidente dos EUA, Barack Obama ¿ privilegia a tese de que Jared Lee Loughner, 22, preso quando tentava fugir a pé do local, tenha agido de forma solitária. O segundo suspeito, flagrado pelas câmeras de vigilância do supermercado de Tucson, foi ouvido por investigadores e inocentado.

O líder republicano na Câmara, John Boehner, pediu ao FBI uma revisão de todo o esquema de segurança dos congressistas americanos.

¿ É preciso uma investigação profunda e rever todas as normas de segurança dos membros do congresso.

O diretor do FBI, Robert Mueller, disse que ainda é cedo para determinar os reais motivos do ataque. Mas Jared Lee foi indiciado ontem com base em cinco acusações: uma por tentativa de assassinato de congressista, outras duas tentativas de assassinatos de funcionários do governo, e mais duas acusações de assassinato. Mueller sublinhou ainda que Jared pode ser enquadrado como terrorista.

Horas antes de cometer o ataque ¿ armado de uma pistola semiautomática Glock 19, comprada em novembro ¿ Jared Loughner deixou uma mensagem no site MySpace: ¿Por favor não fiquem bravos comigo¿. Em sua casa, a polícia encontrou uma nota manuscrita em que Jared mencionava a sua morte e a de Gabrielle Giffords. Em outubro, ele foi suspenso da escola pela direção, que exigia uma autorização psiquiátrica provando que não representava perigos a terceiros.