Título: MST antecipa invasões a fazendas para forçar negociação com governo
Autor: Freire, Flávio ; Roxo, Sérgio
Fonte: O Globo, 11/01/2011, O País, p. 4

Ocupações estavam previstas para abril; prédios públicos também são alvo

SÃO PAULO. Ainda sem canal de negociação com o governo Dilma Rousseff, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiu antecipar as invasões pelo país, normalmente programadas para o chamado Abril Vermelho, quando uma onda de ocupações é organizada como protesto às mortes ocorridas em 1996 em Eldorado do Carajás, no Pará. Desde o último dia 3, primeiro dia útil da gestão de Dilma, o MST tem invadido fazendas e prédios públicos ligados à reforma agrária, em São Paulo, além de prefeituras na Bahia, num período caracterizado como ¿janeiro quente¿.

Dirigentes do movimento dizem que a retomada das ocupações é uma obrigação e não depende de quem está no poder.

¿ O MST é autônomo em relação a qualquer governo, e esperamos que essas ocupações reforcem a abertura de um diálogo ¿ disse Delweck Matheus, um dos coordenadores do MST no Pontal do Paranapanema, região onde os sem-terra criaram um movimento dissidente, ligado a José Rainha Júnior.

¿ É uma obrigação do MST lutar pela terra e colocar a reforma agrária na pauta também do novo governo ¿ disse.

Número de famílias assentadas cai 44%

A ideia é não perder tempo na negociação com o governo . Estudo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostra uma redução de 44% do número de famílias assentadas em 2010 no país em relação ao ano anterior, além da diminuição de 72% do volume de hectares destinadas às famílias sem terra. ¿A realidade é que a promessa do presidente Lula de fazer a reforma agrária com uma canetada não foi cumprida¿, diz texto da CPT.

Até ontem, a mobilização do MST envolvia apenas São Paulo e Bahia, mas o movimento já estaria articulando ocupações em todo o país para os próximos dias. Os primeiros passos foram dados em São Paulo, quando três propriedades particulares foram invadidas. Os sem-terra ocuparam as fazendas Rancho Alegre, em Castilho; Bertazoni, em Cafelândia; e Martinópolis, em Serrana.

Na semana passada, cerca de 200 pessoas acamparam na entrada do Instituto de Terra de São Paulo (Itesp), em Presidente Prudente. A preocupação com uma possível onda de violência no campo fez com que o governo de São Paulo já se antecipasse na busca de uma solução.

¿ A onda já começou, e o temor não é só invasão, mas também os desdobramentos que possam ocorrer. Se os donos dessas áreas resolvem revidar, isso pode gerar risco para as pessoas envolvidas. Sejam os fazendeiros ou os integrantes do movimento ¿ disse ontem Eloisa Arruda, secretária de Justiça de São Paulo.

Ela se reúne hoje com líderes do MST em São Paulo.

¿ Como estou assumindo agora, quero que me conheçam ¿ disse Eloisa, num movimento criticado pelos ruralistas.

¿ É inaceitável que o governo chame para o diálogo quem está fora da lei ¿ reclamou o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, que teme o risco de enfrentamento. ¿ O dono da terra tem o direito legítimo de defender sua propriedade. O problema é que pode acontecer fatalidades.

A secretária de Justiça reagiu às crítica do ruralista:

¿ Nós queremos ouvir as pessoas e buscar soluções que sejam boas para todos, e assim evitar situações de risco. Também marquei uma reunião com os ruralistas para quinta-feira.

A secretaria lembrou que a questão da ocupação de terra não é assunto de competência do estado, mas do governo federal. Ainda assim, ela diz que está disposta a tentar apaziguar os ânimos na disputa de terra.