Título: Históricos rivais unidos pelo horror
Autor: Eichenberg, Fernando ; Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 11/01/2011, O Mundo, p. 25

Quando John F. Kennedy visitou Dallas em novembro de 1963, o Texas foi inundado pela raiva da direita ¿ por conta das traições observadas na Guerra Fria, da desagregação, da deslealdade do liberalismo. Na semana da chegada de Kennedy, panfletos eram distribuídos em Dallas com a foto do presidente e as palavras ¿Procurado por traição.¿

Mas Lee Harvey Oswald não era de extrema-direita. Ele era uma espécie de marxista, um ativista em nome da Cuba de Fidel, e um homem cujo plano anterior tinha como alvo o ex-general de extrema-direita Edwin Walker. Os excessos anti-Kennedy dos conservadores do Texas eram reais, mas o assassino agiu com motivações muito mais obscuras.

Nove anos depois, George Wallace entrava em sua segunda campanha presidencial. Isso ocorreu no auge da violência de extrema-esquerda. A política de Wallace fez dele um alvo óbvio para os protestos. No seu último ¿ e decisivo ¿ dia de campanha, enfrentou uma enxurrada de laranjas, pedras e tomates, em meio a gritos como ¿Hitler para a vice-presidente!¿. Mas Arthur Bermer, que matou Wallace naquela tarde, tinha apenas uma ligação tênue com a política de esquerda. Ele não se importava muito com as opiniões de Wallace sobre racismo: ele só queria assassinar alguém (Richard Nixon era seu alvo original), como ¿prova da minha masculinidade para o mundo ver.¿

É possível que Jared Lee Loughner, o jovem por trás do atentado de sábado em Tucson, tenha uma ligação mais direta com a política partidária do que os homens da geração anterior. Muitos observadores parecem se consolar com essa possibilidade: há uma corrida para declarar que esta tragédia serve como aprendizado ¿ uma oportunidade para esfriar a retórica, abandonar a ira, e renunciar a imagens do tipo que inspiraram Sarah Palin a colocar Gabrielle Giffords como alvo meses antes de Loughner balear a deputada.

Mas as chances são de que os motivos de Loughner serão irredutivelmente complexos como os da maioria de seus antecessores. Violência na política americana tende a borbulhar de uma forma muito mais estranha do que em qualquer monólogo de Glenn Beck ¿ uma paisagem turva, onde as visões e opiniões se entrelaçam a partir de uma série de teorias de conspiração, e onde a linha entre o extremismo ideológico e a doença mental se mistura facilmente.

Devemos lembrar, também, que há lugares onde movimentos políticos realmente são responsáveis pela violência contra seus rivais. Não é assim nos EUA: da liderança republicana às raízes do Tea Party, todos os adversários de Gabrielle Giffords se uniram em meio ao horror do fim de semana. Não há nenhuma facção política americana que realmente queira a morte de um de seus opositores. Isso pode parecer uma pequena benção, em meio a tanta tragédia e perdas. No entanto, é uma benção que vale ser lembrada.

ROSS DOUTHAT é colunista do ¿New York Times¿