Título: Após ataque, Obama vive momento Oklahoma
Autor: Eichenberg, Fernando ; Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 11/01/2011, O Mundo, p. 25

WASHINGTON e NOVA YORK. De cabeça baixa e mãos dadas com a primeira-dama Michelle, o presidente dos EUA, Barack Obama, liderou ontem pela manhã, nos jardins da Casa Branca, um minuto de silêncio em memória às vítimas do tiroteio ocorrido no sábado em Tucson, no Arizona, que deixou seis mortos e 14 feridos ¿ entre os quais a deputada democrata Gabrielle Giffords. Similar homenagem foi prestada no Congresso e na Bolsa de Valores de Nova York. Com o país ainda sob o choque do ataque, a atenção dos americanos se concentrou no depoimento de Jared Loughner, de 22 anos, acusado de ser o autor dos disparos.

De cabeça raspada e com um corte sobre o olho direito, o jovem foi representado ontem numa corte federal do Arizona por Judy Clarke, que também defendeu Ted Kaczynsky ¿ o Unabomber ¿ condenado pelo atentado de 1995 na cidade de Oklahoma. Na audiência, o juiz perguntou a Loughner se ele compreende que pode pegar prisão perpétua ¿ ou pena de morte ¿ pelo assassinato do juiz federal John Roll, um dos seis mortos em Tucson.

¿ Sim ¿ respondeu Loughner, que ficará preso sem direito a fiança.

Presidente elogia os que ajudaram após ataque

Enquanto isso, o país acompanhava a difícil recuperação da deputada ¿ em condição estável e já respondendo com gestos a estímulos verbais ¿ e a atitude Obama face às denúncias de excessiva radicalização no debate político nacional e bipartidário. Analistas consideram que Obama vive seu ¿momento Oklahoma¿, numa referência ao ataque terrorista que causou a morte de 168 pessoas na explosão de uma bomba num edifício da cidade. Na época, o presidente Bill Clinton censurou a oposição por estimular o rancor político e pelo uso abusivo de palavras como ¿ódio¿. Obteve o apaziguamento das relações entre democratas e republicanos, num processo de ressurreição política que culminou com a sua reeleição.

Clinton esperou uma semana para se pronunciar politicamente sobre Oklahoma. Por outro lado, Obama poderá colocar em jogo o futuro de sua liderança política e dos dois anos de mandato que lhe restam nas palavras que usará para abordar, mais profundamente, o ataque no Arizona.

Ontem, numa breve entrevista ao lado do presidente francês, Nicolas Sarkozy, Obama se limitou a dizer palavras elogiosas sobre os que ajudaram no momento do tiroteio, e outras de conforto aos familiares das vítimas. Já o Congresso suspendeu todas as votações previstas para esta semana.

Analista qualifica atirador de lunático

A secretária de Estado, Hillary Clinton, por sua vez, qualificou Loughner de extremista. Brigitte Nacos, especialista em terrorismo da Universidade de Columbia, em Nova York, não tem dúvida de que o ataque praticado por Loughner foi um ato de extremismo político, tendo como alvo específico a deputada, mas também atingindo outros civis, o que espalhou o terror. Ela compara o atentado aos atos praticados por grupos de extrema-direita nos anos 1990, durante o governo Clinton.

¿ Se o autor do ataque fosse um muçulmano, estaria sendo chamado de terrorismo por todos. Acho que devemos temer a reprodução desse tipo de atentado num ambiente tão polarizado e com tamanha facilidade de acesso a armas automáticas ¿ explicou Brigitte.

Para a especialista, não é necessário provar que Loughner fazia parte de algum grupo de extremismo político.

¿ A forma de recrutamento do terrorismo mudou muito nos últimos dez anos. Tudo acontece na internet, é um recrutamento virtual, onde as pessoas se reúnem para conversar com pessoas que têm as mesmas visões extremas que elas, e alguns desses sites são muito agressivos.

Jerry Hagstrom, analista da publicação online ¿National Journal¿, define o Arizona como um estado ¿muito volátil politicamente¿.

¿ É um estado de fronteira, que tem uma atmosfera perigosa, como aquela do Texas quando John Kennedy foi assassinado, nos anos 1960. E a retórica extremada que temos ouvido nos últimos anos produz um ambiente no qual esse tipo de comportamento é aceitável ¿ disse ele, referindo-se ao tiroteio.

A senadora democrata do Arizona, Kyrsten Sinema, lamentou na política atual a substituição da civilidade pela hostilidade. Mas o analista político Michael Barone não acredita que houve motivações políticas na agressão de Loughner, e considera equivocada a relação direta do ataque com o recrudescimento das animosidades partidárias.

¿ Não penso que os atos de pessoas loucas respondem diretamente ao tom do debate político. Esse atirador era basicamente um lunático. Não se viu alguém tentar atirar num membro do Congresso desde 1978, há 32 anos, quando (o deputado democrata) Leo Ryan, foi morto em Jonestown, na Guiana ¿ sustentou.

Na análise de Michael Barone, mesmo após passadas as primeiras emoções da barbárie de Tucson, o cotidiano político do país sofrerá algumas alterações.

¿ Vamos continuar a ter os mesmos tipos de debates, mas acho que cada um vai baixar um pouco o tom de radicalismo. Há todos os tipos de metáforas políticas no discurso político americano. `Campanha¿ e `alvo¿ são metáforas militares. `Mirar num parlamentar¿ é uma expressão usada por todos. Isso não quer dizer que você vai matar alguém, mas que vai vencê-lo numa eleição.