Título: Varões de Plutarco?
Autor: Garcia, Luiz
Fonte: O Globo, 07/01/2011, Opinião, p. 7

Senadores, deputados e ministros de Estado têm direito a foro privilegiado. Quando investigados e processados, não são julgados pelas instâncias iniciais da Justiça: os casos vão diretamente para a última instância: o Supremo Tribunal Federal.

Até recentemente, o privilégio se limitava a isso. Em alguns casos, por motivos específicos, o processo poderia correr em segredo de Justiça. Nada demais. Mas o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, achou que era pouco: agora, com ou sem segredo, o serviço de consulta pública do STF só informa as iniciais das autoridades sendo investigadas.

É um curioso paradoxo. Cidadãos que optam pela vida pública, principalmente no caso de parlamentares, têm direito a que a sociedade conheça suas belas virtudes e notáveis realizações - mas têm também o dever de permitir que ela tome conhecimento de seus eventuais problemas na Justiça. O eleitor precisa e quer votar com conhecimento de causa. Pode não votar nos ministros, mas escolhe quem os nomeia. A democracia, da qual todos nós, eleitos e eleitores, gostamos muito, tem no sigilo uma rara exceção; a norma é a do jogo aberto.

O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, deu uma explicação curiosa para a novidade: como o ministro relator de um processo pode decretar que ele seja sigiloso, essa sua decisão seria prejudicada pela divulgação anterior do nome do acusado. Acontece, no entanto, que a decretação de sigilo é, ou deve ser, uma exceção obviamente rara. E deve depender, num regime democrático, da natureza do processo, nunca da identidade do processado. Não é por acaso que políticos são chamados de homens públicos: assim são definidos porque servem ao público. A relação entre eleitos e eleitores só funciona como deve quando o direito do voto é exercido com pleno conhecimento de causa.

Na verdade, os argumentos a favor do sigilo podem ser invocados para todos os casos de cidadãos investigados pelo Estado. Mas, com exceção da Grã-Bretanha, isso não existe no resto do mundo. O que pode ser uma pena - mas não justifica o privilégio para parlamentares e ministros.

Principalmente no caso de países - estou pensando em algumas repúblicas africanas - onde uma boa parte da classe política não é formada por varões de Plutarco.