Título: Risco é afugentar os financiadores do déficit externo
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 07/01/2011, Economia, p. 25

JOSÉ JÚLIO SENNA

Ex-diretor do Banco Central e sócio-diretor da MCM Consultores, José Júlio Senna alerta que novas medidas do governo para conter a valorização do real devem levar em consideração o fato de que há um déficit nas contas externas do Brasil previsto para 2011. Por isso, não se pode provocar uma retração demasiadamente acentuada dos fluxos externos.

A medida é interessante para conter a valorização do real?

JOSÉ JÚLIO SENNA: É uma medida voltada para inibir a ação de um ator extremamente importante, o sistema bancário. Mas os bancos não são os únicos participantes do mercado de câmbio. Isso por si só limita seu alcance.

Qual deve ser o impacto no câmbio?

SENNA: O efeito sobre a taxa de câmbio será mínimo ou inexistente. Primeiro, é uma ação voltada apenas para um ator desse processo. Segundo, porque o próprio diretor do BC explicou que a posição do sistema bancário não é propriamente especulativa.

Mas o dólar se apreciou hoje (ontem)...

SENNA: O movimento não pode ser atribuído apenas ao novo compulsório, mas a apreensões com a possibilidade de adoção de outros mecanismos.

O senhor acredita que outras medidas?

SENNA: O governo parece muito incomodado com o real valorizado, e o desconforto aumenta quando a taxa atinge R$1,65. Como o compulsório terá alcance limitado, é razoável supor medidas mais severas. Sobre isso, há um ponto importante. O déficit em conta corrente previsto para 2011 chega a quase US$70 bilhões. Além disso, sabemos que as empresas brasileiras investem cada vez mais lá fora. E há também amortizações de dívida externa já previstas. Temos, portanto, um total superior a US$100 bilhões. É preciso cuidado com a adoção de medidas inibidoras de fluxo de capitais, para que não se acabe afugentando os potenciais financiadores desse déficit. É claro que o menor volume de financiamento provocaria depreciação do real. Mas o risco é o processo sair do controle. É uma situação de ajustamento muito delicada. Não se pode provocar uma retração demasiadamente acentuada dos fluxos externos. Em suma, o governo poderá lançar mão de outras medidas, mas nada muito drástico.