Título: Reforma política para acompanhar a economia
Autor:
Fonte: O Globo, 08/01/2011, O Mundo, p. 29

Na mesma semana em que cerca de 500 mil pessoas começaram a ser demitidas como parte da maior reforma econômica da História de Cuba, o governo da ilha anunciou importantes mudanças ministeriais que podem alavancar os esforços de Raúl Castro na recuperação das finanças do país. Trata-se da segunda reestruturação do governo em menos de dois anos - a primeira, em 2009, envolveu dez ministros. Desta vez, três pastas foram afetadas: Informática e Comunicações, Construção e Recursos Hídricos. Mas foram o afastamento do ministro linha-dura, Ramiro Valdés, que também é vice-presidente, e a destituição do ministro da Construção, Fidel Figueroa de la Paz, que chamaram atenção, no momento em que o regime comunista reforça a importância da eficiência e produtividade para a recuperação da economia.

Aliado e amigo próximo de Fidel Castro, Ramiro Valdés, de 78 anos, foi um dos líderes das tropas que derrubaram Fulgêncio Batista, em 1959. Ex-ministro do Interior, ele atualmente comandava a pasta de Informática e Comunicações. De acordo com o anúncio lido na quinta-feira à noite na emissora de televisão estatal, o comandante e membro "histórico" da Revolução Cubana deixa o cargo de ministro, mas terá a função de supervisionar diversas pastas, entre elas Informática e Comunicações, Indústria Básica, e Construção - um importante ministério para a reforma econômica.

Apesar de perder o ministério, Valdés segue como vice-presidente de Cuba. O político tinha um papel importante - agora incerto - na construção das relações entre Havana e Caracas: prestava consultoria em áreas como telecomunicações e segurança a Hugo Chávez, presidente da Venezuela e principal aliado de Cuba no cenário internacional. De acordo com a nota oficial, o general de Brigada Medardo Díaz Toledo, um engenheiro de 48 anos que transitou por diversos postos no Ministério das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), assumirá o cargo de Valdés na pasta de Informática e Comunicações - uma mudança que visa a modernizar e rejuvenescer o sistema socialista da ilha.

Sabão é cortado da cesta básica

Alegando "erros cometidos nesta função", mas sem detalhar os motivos das divergências, o Conselho de Estado cubano destituiu Fidel Figueroa de la Paz do Ministério da Construção. A pasta envolve um dos temas mais polêmicos em Cuba, onde mais de 40% das casas estão em estado precário, segundo dados oficiais. Apesar de o governo não revelar os erros cometidos pelo ministro, tudo indica que sua saída se deve às irregularidades - roubo de materiais, desvio de recursos e falta de mão-de-obra - encontradas em construções iniciadas após a passagem de três furacões que afetaram mais de 600 mil casas. A pasta de Construção será comandada por René Mesa Villafana, ex-presidente do Instituto Nacional de Recursos Hídricos (INRH), liderado agora por Inés María Chapman Waugh.

Horas antes do anúncio das mudanças ministeriais, Cuba advertiu que aplicará a lei com "rigor máximo" para evitar delitos em meio às novas reformas econômicas. As demissões de 500 mil funcionários públicos nos próximos três meses têm como objetivo ampliar o número de licenças no setor privado - até agora 75 mil permissões de trabalho já foram entregues e 250 mil, emitidas - reduzindo assim o peso do Estado, e reativando as finanças da ilha.

"A atualização do modelo econômico cubano exige da polícia ações concretas que garantam a segurança das famílias e a ordem da sociedade. A lei será aplicada com rigor máximo e a severidade necessária aos praticantes de delitos", afirmava nota oficial.

Como parte do pacote de corte de gastos, o governo decidiu retirar, ainda, o sabão, a pasta de dente e o detergente da cesta básica mensal com comida e bens de consumo. A medida causou espanto, já que os itens eram distribuídos desde os primeiros dias da revolução. Criada para garantir que os cubanos não passassem fome, a "libreta" - como é conhecida a cesta básica - já havia sido alterada anteriormente, com cortes como o de batata e cigarros. O regime da ilha também anunciou o cancelamento da Volta Ciclística, programada para fevereiro, num sinal de que nem o esporte escapará dos planos de Raúl Castro.