Título: Caso Battisti e a diplomacia companheira
Autor:
Fonte: O Globo, 06/01/2011, O pinião, p. 6

O lulopetismo patrocinou profunda reciclagem em quadros da administração pública. Pela primeira vez depois da redemocratização, desembarcaram em Brasília corporações sindicais e diversos agrupamentos de esquerda com chance real de tomar conta de espaços importantes no aparelho de Estado. Foi o que aconteceu.

Os chamados cargos de confiança - quadro ampliado nos últimos oito anos para 22 mil postos, população de muita cidade brasileira - permitiram uma farra, pois podem ser preenchidos numa canetada, sem qualquer exigência, a não ser o compadrio político, ideológico ou pessoal. Áreas da máquina pública foram "doadas" a aliados, casos do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, privatizados por organizações sem terra. Desvio que o novo ministro, Afonso Florence, parece querer corrigir. A ver. Mas, ao lado da ocupação de gabinetes e da invasão de folhas de salários, houve a captura de políticas que devem ser de Estado pela ideologia nacional-estatista e terceiro-mundista carregada como andor pelo lulopetismo.

A crise em torno do exilado italiano Cesare Battisti, centro de séria rusga diplomática entre Roma e Brasília, deriva da brusca mudança de eixo executada nestes últimos dois governos na política externa brasileira. De multilateralista e equilibrada, ela se tornou terceiro-mundista e antiamericanista à moda dos anos 60 e, na América Latina, em consequência, alinhou-se na defesa ativa do regime cubano e da nova onda de nacional-populismo iniciada com a chegada de Hugo Chávez ao governo da Venezuela.

E, quando ideologia passa a comandar políticas públicas, tudo pode acontecer. Como o tratamento com pesos e medidas diferentes de questões idênticas: se atletas cubanos desejam ficar no país para escapar do stalinismo tropical de Fidel, eles são detidos e colocados em avião venezuelano de volta à ilha (depois, eles escaparam para territórios seguros: Estados Unidos e Europa); se o exilado é Cesare Battisti, ex-militante da extrema esquerda italiana, a sua linhagem ideológica leva a que autoridades façam o possível para que ele não cumpra a pena de prisão perpétua estabelecida pela Justiça da Itália, por quatro assassinatos cometidos. O então ministro da Justiça, Tarso Genro, atropelou a decisão do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), em que o próprio representante do ministério votou pela aceitação do pedido de extradição feito pelo governo italiano, e manteve Battisti no Brasil, onde se encontra preso à espera de decisão final, a ser dada agora pelo Supremo. Tarso alegou proteger Battisti de "fundado temor de perseguição por opinião pública" (?!).

Há um imbróglio jurídico a ser resolvido: o STF, por 5 a 4, decidiu pela extradição, mas concedeu ao presidente Lula a palavra final. Este a usou, no último dia de governo: concedeu status de refugiado a Battisti e deflagrou de vez a crise. Há recursos do advogado de Battisti e da Itália, os quais o Supremo examinará depois do recesso, em fevereiro. A não ser que o presidente da Corte, Cezar Peluso, volte atrás e resolva decidir já.

Uma crise desnecessária, causada pela subjugação de interesses de Estado a preferências partidárias. É evidente a contaminação política do caso. Mas registre-se que das manifestações ocorridas na Itália contra a decisão de Lula também participaram partidos de esquerda.