Título: O estilo manso da xerife com uma das missões mais árduas do Brasil
Autor: Carvalho, Jaiton de
Fonte: O Globo, 09/01/2011, O Pais, p. 4

Nova secretária Nacional de Segurança Pública se destacou por atuação em Diadema

A NOVA secretária, com estilo moderno e tererês no cabelo, diz: "Se tentar enfrentar, o negócio fica feio"

BRASÍLIA. Quando a advogada Regina Miki assumiu a Secretaria de Defesa Social de Diadema em 2001, a cidade amargava uma média de 111 homicídios por grupo de 100 mil habitantes, o que a tornava uma das mais violentas do mundo. Sete anos depois, quando deixou a secretaria, a taxa de homicídios girava em torno de 17 por 100 mil, bem abaixo da média nacional. A redução da criminalidade foi premiada pela ONU (Organização das Nações Unidas), e a secretária se transformou numa quase unanimidade nacional. É com essas credenciais que Regina Miki, 50 anos, chega à Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Esta é a primeira vez que uma mulher comanda a secretaria, uma área marcada pela presença masculina. A pasta tem um orçamento de R$2,4 bilhões para administrar e uma missão especial: reduzir significativamente a criminalidade do país, uma das prioridades máximas estabelecidas pela presidente Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral. Fala mansa, tererê de cristais no cabelo de corte assimétrico, Regina em nada lembra figuras carrancudas que costumavam perfilar em cargos de comando na segurança pública. Mas ela deixa claro que suave é só o visual.

- Numa boa vai qualquer coisa, mas se tentar enfrentar, aí o negócio fica feio. Nossa tarefa é uma das mais árduas do Brasil e é uma das principais orientações da presidenta Dilma. Ela diz que segurança e saúde são os dois primeiros nortes dela. Quero uma gestão marcada por metas e resultados. Temos direcionamento de um conceito. O Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) tem linha mestra. Minha meta é transformar o Pronasci numa política nacional de segurança - avisa Regina.

A política seria mantida mesmo com trocas de governos, como acontece com a estrutura básica do SUS (Sistema Único de Saúde). A secretária não revela detalhes da proposta que está preparando. Mas deixa claro que política de segurança se faz com diagnóstico, planejamento, metas e avaliação permanente de resultados. Hoje, o governo federal não dispõe nem mesmo de dados confiáveis sobre índices gerais de criminalidade.

Por mais grave que seja o problema, governadores relapsos não remetem ao banco de dados federal informações completas sobre homicídios, assaltos e sequestros, entre outros crimes para não exporem as falhas da própria administração. Regina conhece as resistências, mas acha que poderá aplicar no plano federal parte da receita usada em Diadema.

- O fato concreto é que nós temos 48 mil pessoas morrendo (vítimas de assassinatos) por ano. E como é que nós vamos fazer para que essas pessoas deixem de morrer? E quem morre quem é? Jovens. Então é buscar eficiência nacional. O que a gente quer buscar é a diminuição desses índices, que são dramáticos - avisa a secretária.

Regina sabe das barreiras que terá pela frente. Da sala que ocupa no 5º andar do Ministério da Justiça, ela terá que negociar frequentemente com secretários estaduais, policiais, bombeiros, agentes penitenciários, ativistas de direitos humanos, líderes sociais. É uma área tensa, com muita gente nervosa. Um campo minado também por disputas políticas. Mas Regina diz que não tem medo de encarar corporações, pressões e feudos.

- Parto do princípio do respeito às instituições. Tenho plena convicção que a gente está num processo de transformação na área de segurança. Mas tenho plena convicção que não dá para apagar a história de ninguém. Isso me credencia junto a todas as corporações a um diálogo aberto - diz a secretária.

A carreira de Regina como "policióloga", como ela se autodenonima com uma pitada de ironia, começou por acaso. Em 2001, o então prefeito de Diadema, José de Fillipi, a nomeou secretária de Defesa Social. À época uma simples assessora para assuntos fundiários, Regina tentou recusar a oferta. Num rasgo de sinceridade disse que não entendia absolutamente nada de segurança pública.

- É por isso que você está sendo escolhida. Quero alguém que não entenda nada de segurança, que entenda de Diadema e que tenha sensibilidade - rebateu Fillipi.

Para o prefeito, se os tradicionais especialistas fossem realmente bons, Diadema não estaria vivendo em meio a um dos mais cruentos faroestes urbanos do país. Regina não se convenceu totalmente, mas foi à luta. E fez o óbvio: articulou programas sociais, reforma urbana e repressão policial. Ao diagnosticar a matança, a então inexperiente secretária viu o que os especialistas não viam: os assassinatos aconteciam, em geral, entre 22h e 4h da madrugada, próximos a bares e em locais ermos, escuros e em ruas esburacadas.

A resposta foi simples: baixou a lei do silêncio, e os bares tiveram que fechar às 23h. Ruas foram asfaltadas e iluminadas. Adolescentes, agentes e vítimas da violência foram incorporados a programas sociais. O resultado do trabalho foi impactante. Os números de homicídios despencaram. Em 2001, a polícia registrava uma média de 44 assassinatos por mês em Diadema, uma cidade de pouco mais de 400 mil habitantes. Em 2008, os números de assassinatos giravam em torno de 4 por mês. De olho no sucesso da novata, o ex-ministro da Justiça Tarso Genro chamou Regina para coordenar a 1ª Conferência Nacional sobre Segurança Pública, um fórum com mais de 4 mil representantes dos três poderes e da sociedade civil em âmbito federal, estadual e municipal.