Título: Dois cenários na América Latina
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Fonte: O Globo, 09/01/2011, Opinião, p. 6

Os números são claros. O desempenho econômico dos países da América Latina em 2010 prova que os que têm instituições democráticas mais sólidas e economias mais livres se saem muito melhor do que os que ainda apostam em modelos autárquicos, com ditaduras ou executivos hipertrofiados e economia de administração centralizada ou pouco flexível.

Segundo a Cepal, órgão da ONU para a América Latina, foi de 6% o número preliminar para o crescimento do conjunto dos países latino-americanos e caribenhos em 2010. O bom resultado do PIB regional está muito ligado ao desempenho do Brasil, que responde por um terço da produção da região. A Cepal estimou para o Brasil expansão de 7,7% no ano passado. O Paraguai teve a maior taxa de crescimento (9,7%), seguido por Uruguai (9%), Peru (8,6%), Argentina (8,4%), México e Chile (5,3%) e Colômbia (4%).

Já as nações que apelam para o elevado intervencionismo estatal estiveram no fim da fila. O pior desempenho foi o do Haiti (recessão de 7%), mas este é um caso à parte - um país destroçado por um terremoto e virtualmente sem governo. Mas a rica Venezuela do coronel Hugo Chávez também encolheu (1,6%), pagando o preço pelo esforço do caudilho para desmontar a economia do país e implantar o "socialismo do século XXI". Cuba obteve expansão de apenas 1,9%. Bolívia (3,8%) e Equador (3,5%) foram um pouco melhor, mas ficaram bem abaixo da média regional (6%). Com a Venezuela compõem o grupo autárquico. Já a Argentina, apesar do alto crescimento, ilusório, mergulha em crise institucional, está em desorganização crescente por força do caudilhismo peronista com a marca Kirchner.

O bom desempenho geral não deverá se repetir em 2011, segundo a Cepal. Sua previsão é de que o crescimento médio da região este ano fique em 4,2%, devido a incertezas no cenário internacional, à lenta recuperação de EUA e Europa. Isto significa que os países mais dinâmicos terão mais facilidade de se adaptar aos novos desafios econômicos. Os de economia com grande intervenção estatal terão muito dever de casa para fazer. A Venezuela viu cair a produtividade em todos os setores, devido à estatização galopante promovida por Chávez, que recentemente obteve o direito de governar por decreto. Como o governo se pauta, não pela eficiência, mas pelo compadrio ideológico, a estatal PDVSA ganhou cada vez mais atribuições e funcionários. Com isto, caiu a produção de petróleo, maior riqueza nacional.

Na Bolívia, desde que Evo Morales decidiu expropriar a exploração de petróleo, a produção encolheu a menos da metade nos últimos cinco anos, obrigando a aumentar as importações. Morales surpreendeu a população com um "gasolinazo" (aumento de preços dos combustíveis) de 83% em pleno Natal. Diante dos protestos e fortes distúrbios, decidiu revogar a medida alguns dias depois, com grande perda de credibilidade. Voltou à estaca zero. Cuba segue em sua agonia e entra em 2011 com uma medida que é um anátema para um regime socialista: o início da demissão de 500 mil funcionários públicos. Para a ilha e o bloco bolivariano, a realidade é dura e o preço do ajuste será doloroso.