Título: Não acredito que isso por si só vai resolver a questão a longo prazo
Autor: Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 09/01/2011, Economia, p. 30

Ex-presidente do BC apoia ação cambial do governo, mas critica gastos e custo Brasil

Presidente do Banco Central (BC) num dos períodos mais tumultuados do câmbio (1999-2002), Arminio Fraga, agora à frente da Gávea Investimentos, afirma ao GLOBO que as medidas adotadas pelo governo para conter a queda do dólar estão num "bom caminho", embora cobre uma visão de mais longo prazo. Otimista, o economista vê sinais positivos para o corte de gastos e intenções de investimentos do governo Dilma Rousseff.

O governo decidiu intervir no mercado futuro para conter o derretimento do dólar. O caminho está correto?

ARMINIO FRAGA: Não é de hoje que vejo como principal resposta a criação de condições para que a taxa de juros no Brasil caia significativamente. Quando digo criar condições, quero dizer permitir que a taxa de juros caia sem desviar da meta de inflação. Isto posto, o trabalho que vem sendo feito na área prudencial me agrada como uma ferramenta secundária. É um trabalho fundamental para a saúde do sistema financeiro e do balanço de pagamentos, procurando evitar a tomada de muito dinheiro de curto prazo. Vejo como um bom caminho as medidas anunciadas e postas em prática. Mas não acredito que isso por si só vai resolver a questão a longo prazo. Os efeitos são transitórios. Sinto falta de uma estratégia maior, mais clara e definida.

E qual seriam essas estratégias para o longo prazo?

ARMINIO: É necessário pensar na questão fundamental do crescimento do gasto público. Neste momento, é preciso cumprir a meta de superávit primário sem qualquer criatividade contábil. Isso não vai ser fácil. Mas é preciso reverter o que foi um certo exagero nessa área, principalmente no ano passado. Cabe trabalhar também em outras frentes, como o chamado custo Brasil, uma série de entraves e custos à atividade econômica do país - burocracia, infraestrutura, sistema tributário.

O ministro Guido Mantega falou em "ação fiscal forte" entre medidas no câmbio, após negar uma relação entre os dois. Já é um bom sinal?

ARMINIO: As pessoas podem mudar de ideia, e acho ótimo que isso tenha acontecido. O bloqueio preventivo do Orçamento de 2011 foi um bom sinal. Não é um trabalho fácil, mas é a conta que foi gerada lá atrás e que agora terá de ser paga. Há muito tempo venho sugerindo uma mudança no mix de política macro, que vinha muito frouxa na área fiscal e creditícia. E isso colocava uma pressão enorme sobre a demanda interna, fazendo o BC trabalhar dobrado. Apoio essa mudança que o governo que agora se inicia sinalizou: fazer uma correção de rumo nas duas áreas. Apoio integralmente.

O déficit em conta corrente tem crescido muito. Para segurar o dólar via controle de fluxo de capital, o financiamento externo do Brasil não fica ameaçado?

ARMINIO: O Brasil continua atraindo bastante investimento de prazo mais longo. Eu prefiro ver alguma pressão no câmbio para cima que um balanço de pagamento financiado com capital de curto prazo. E seria bom também que a taxa de investimento do país crescesse, porque ela normalmente atrai um financiamento de melhor qualidade. Uma das metas também anunciadas pelo governo, que seria de investir mais, é muito importante. O governo tem de entregar isso. Estou esperançoso de que isso aconteça.

Os EUA indicaram que manterão o afrouxamento monetário. Será possível segurar o dólar aqui se ele derrete lá fora?

ARMINIO: É muito difícil prever o que vai acontecer. Não creio que essa deva ser uma meta do governo. Ele tem de agir nessas áreas todas para não criar pressões baixistas adicionais ao câmbio. Mas o câmbio também espelha o que está sendo feito aqui no Brasil, com melhora de perspectivas. Nossa pujança nos setores agrícola e, agora, de petróleo. E, infelizmente, é também um espelho de um mundo cheio de problemas. O fato de o Brasil progredir aqui e ali tem de ser contrastado com o fato de várias regiões importantes do mundo viverem momentos muito sérios. E isso exige administração.

Então o senhor concorda com a ideia de guerra cambial exposta por Mantega?

ARMINIO: Ele foi feliz nessa expressão. Foi uma forma colorida de colocar a questão, que a meu ver existe e é importante. Mas não creio que o conceito deva ser levado a uma interpretação extrema. Não penso que os americanos estão fazendo política de expansão quantitativa para derrubar o dólar. Fazem porque têm desemprego alto e inflação baixa. Chama mais minha atenção a política cambial de países da Ásia, como China e Coreia do Sul, que vêm acumulando trilhões em reservas. Talvez as tensões sejam aí mais justificáveis. A questão da guerra cambial tem a ver com necessidade de mais cooperação entre os principais países da economia global. Está fazendo falta isso.

O governo defende o G-20 como ambiente para discutir a questão. É o melhor fórum?

ARMINIO: É melhor que nada. Mas é um fórum mais desdentado, no sentido de que não é uma organização que pode tomar decisões com força de lei. Seria o caso do FMI, mais até que a Organização Mundial do Comércio (OMC). Os países preferem se reunir no G-20, entre outras razões, porque permite uma discussão sem compromisso de abrir mão da independência na política econômica.

Um forma de operar o dólar a curto prazo - da qual o senhor fez uso diversas vezes - é via imprensa. Mantega convocou uma coletiva para puxar o dólar. O sucesso foi questionado no mercado. Qual sua avaliação?

ARMINIO: Não dá para dizer se Mantega conseguiu. Ninguém pode saber se, sem essas medidas e esse reforço verbal, o dólar não teria caído bastante. Mas é preciso tomar um certo cuidado para definir bem o espaço de atuação. Entendo que o governo não vai querer revelar tudo, e faz parte da tática neste caso, mas em algum momento será preciso organizar um pouco melhor esse conjunto de políticas para não ter um impacto secundário indesejável nos fluxos de melhor qualidade, de longo prazo. É uma arte que até agora, a meu ver, está sendo conduzida dentro de padrões bastantes razoáveis.