Título: Nova estratégia para as drogas
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Fonte: O Globo, 13/01/2011, Opinião, p. 6

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) entra no governo Dilma com uma importante mudança no perfil administrativo do órgão e uma significativa declaração de intenções do secretário Pedro Abramovay. Ambas têm potencial para alterar, para melhor, a maneira como o Estado vem enfrentando o problema das drogas, notadamente na questão da violência associada ao tráfico.

A modificação administrativa se deve à transferência do comando da Senad do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência para o Ministério da Justiça. Dessa forma, o governo sinaliza que a política antidrogas do país caminhará no sentido dos programas mais realistas de combate a um flagelo que, nos países onde tem sido enfrentado preferencialmente pelo viés policial, continua com índices de crescimento preocupantes.

Disso é decorrência a defesa do secretário, manifestada em entrevista ao GLOBO, do fim da pena de prisão para pequenos traficantes - os chamados "aviões", que vendem pequenas quantidades de drogas para custear o próprio consumo e que estão no meio do caminho entre o tráfico ligado ao crime organizado e o usuário. Será um avanço indiscutível, desde que se tenha o cuidado de não deixar brechas para que as quadrilhas lancem mão de esquadrões de minitraficantes, nos moldes do que já acontece ao anteparo do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Essa opção por uma política em que se delimita responsabilidades mais claramente tem duas pontas positivas: afasta-se o pequeno infrator da influência das quadrilhas que notoriamente dominam os presídios do país, aplicando-lhe penas alternativas em vez de o confinar em celas para jogá-lo de vez no colo do banditismo, e abrem-se vagas nas cadeias para ali manter aqueles que, de fato, precisam ou merecem ser submetidos ao rigor punitivo e correcional da legislação penitenciária.

Embora óbvias como ações capazes de dotar o Estado de meios mais eficazes de combater as drogas, são providências que dependem de apetite político para serem implementadas. O país fez avançar a legislação em 2006, ao distinguir o usuário do traficante. Mas ainda assim não se andou o suficiente: desde aquele ano, houve um aumento de 40 mil pessoas presas por crimes relacionados a drogas, nem todas ligadas ao crime organizado. Em razão desta realidade, é procedente a instigação que o secretário Abramovay deixou na entrevista: deve-se reintegrar o pequeno traficante à sociedade, dando-lhe a oportunidade de se regenerar, ou desistir dele, entregando-o aos grupos criminosos?

É positivo, também, o alinhamento da Senad com programas consistentes de combate às drogas - como o propugnado pela Comissão Latino-Americana Sobre Drogas e Democracia, que reúne ex-presidentes (entre os quais Fernando Henrique Cardoso) e outras personalidades do continente, em defesa de uma nova estratégia política e de polícia, a partir de um amplo debate que examine temas como a legalização das drogas. Mas esta é uma discussão que necessariamente extrapola fronteiras, pois o país não pode assumir posições unilaterais, sem assegurar o compromisso de outras nações com operações integradas de combate ao tráfico, à produção e distribuição de entorpecentes.