Título: Ação contra as cotas na UnB
Autor: Sallum, Samanta
Fonte: Correio Braziliense, 22/07/2009, Cidades, p. 25

DEM entra com pedido de liminar no STF para suspender o registro dos 652 cotistas aprovados no último vestibular da universidade. Matrícula está marcada para amanhã

Câmpus da UnB na Asa Norte: com as cotas, 3,2 mil alunos negros ingressaram na instituição

O sistema de cotas para negros nas universidades públicas está ameaçado por uma ação judicial que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). E, se for acatado o pedido de liminar, a matrícula de 652 candidatos cotistas aprovados no último vestibular da Universidade de Brasília (UnB) será suspensa. O autor do processo é um partido político, o Democratas (DEM). Mas a iniciativa coube à advogada Roberta Fragoso Menezes Kaufmann, que também é procuradora do Distrito Federal e assina a ação. Ela sustenta que o sistema de reserva de vagas fere o princípio da igualdade, e que o obstáculo para o negro chegar ao ensino superior no Brasil não é racial. Mas, sim, o econômico.

O registro das matrículas para o segundo semestre letivo da UnB está marcado para amanhã e sexta-feira e será realizado. Quem vai apreciar o pedido de liminar é o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes. Na noite de ontem, ele assinou despacho dando prazo de cinco dias para que a Advocacia Geral de União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República se manifestarem. Se a liminar for acatada depois disso, o registro das matrículas dos cotistas será anulado.

Cerca de 3,2 mil alunos ingressaram na UnB pelo sistema de cotas. Ao todo, 80 universidades no país adotam o modelo, em que a Universidade de Brasília foi pioneira (leia memória). Por isso, a decisão sobre o caso pode afetar toda a política nacional de cotas. A ação do DEM se baseia na dissertação de mestrado de Roberta Kaufmann, aprovada em 2003, na própria Faculdade de Direito da UnB. O orientador foi o atual presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, também professor da universidade. Roberta aponta que o sistema adotado no Brasil é um modelo ¿importado¿ dos Estados Unidos. ¿Nossa realidade é bem diferente. Lá, o negro, mesmo tendo dinheiro, era alvo do racismo. Tinha direitos subtraídos. Aqui, a situação é outra¿, argumenta. Segundo ela, o debate no Brasil foi precipitado. ¿A questão não é a cor da pele, é precariedade econômica. Deveria haver uma política de Estado para dar assistência aos pobres, não às raças¿, disse ela ao Correio.

Instabilidade

O sistema de cotas passou a valer na UnB em 2004. Antes, apenas 12% dos alunos eram negros. Em cursos de alto prestígio, como odontologia, medicina e direito, não chegavam a 2%. O índice-geral agora aumentou para cerca de 20%. O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa, faz a defesa contundente do atual sistema de cotas. Ele alerta para o clima de ¿instabilidade pública¿ que pode ser provocado, caso a liminar seja concedida. ¿Já adotamos o sistema há cinco anos. Ele é uma reafirmação do que já está na Constituição brasileira. É preciso superar os obstáculos ao desenvolvimento humano calcados no racismo e na xenofobia. O argumento da ação tem um ângulo redutor¿, comentou.

Segundo José Geraldo, o fator que dificulta a melhoria de condição econômica dos negros se explica pela questão racial, ao voltarmos ao nosso passado histórico. Alunos recém-aprovados no sistema de cotas foram surpreendidos com ação. ¿Passamos por todo o processo seletivo, pela parte mais difícil. Faltam dois só dias para a matrícula e eles entram com esse processo¿, reclamou Stanlei Luiz Mendes de Almeida, 17, que passou para enfermagem.

Colaboraram Mirela, D¿Elia, Rodolfo Borges e Naira Trindade

Opinião do internauta

Várias pessoas fizeram comentários sobre a ação impetrada pelo DEM contra as cotas na UnB ou sobre o próprio sistema de reserva de vagas. Confira alguns deles:

¿As ações afirmativas são o início de um processo de ampliação do que concebemos como conhecimento científico, entre muitas outras coisas, justamente por diminuírem os impactos da desigualdade de poder no exercício de profusão das ideias. Tem gente que parece nunca entender isso ou entende e não assume por manutenção de privilégios e/ou lamentável má-fé.¿ Natália Maria

¿O QI de ninguém é medido por cor de pele e sim por conhecimento. Gostaria de saber: Todos os negros são pobres? Ou todos os brancos são ricos? Eis a resposta. Não é a car de pele e, sim, o nível socioeconômico do candidato. Cérebro só tem uma cor.¿ Ismael Nunes

¿Entendo correta a reserva de cotas sociais, pois existem muitos negros ricos se aproveitando desse subterfúgio e muitos brancos pobres sendo excluídos só porque são brancos.¿ Dercilio Rabelo

¿O princípio constitucional diz que todos são iguais sem distinção de sexo, cor etc. Segundo o próprio entendimento jurídico, não deve ser levado ao pé da letra como querem alguns. (¿) O legislador entende que os que são iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente. O legislador sabe que existem diferenças que podem afetar `certos¿ direitos.¿ Sílvio Romero

¿Se descobrirmos que os carecas sofrem preconceito, vamos resolver com cotas? O critério tem que ser igual para todos. O problema está, em grande parte, na qualidade do ensino médio. Acho que cota não resolve. Coitado do pobre branco.¿ Alexandre

¿Preconceito declarado! Este é o retrato do tal Brasíl que se diz democrático, onde todos dizem que somos irmãos, a tal miscigenação, que todos nós aceitamos. Tudo uma farsa.¿ Marlene

Comente o assunto nas notas do Blog da Samanta ou na reportagem publicada no site do Eu, estudante. Também é possível votar na enquete que o caderno preparou: ¿Você é a favor da suspensão imediata das cotas para negros na UnB?¿

Memória Proposta aprovada em conselho

O sistema de cotas para negros foi aprovado na Universidade de Brasília ¿ a primeira instituição federal a fazê-lo ¿ em junho de 2003. De acordo com o texto votado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB, 20% das vagas do vestibular e do Programa de Avaliação Seriada (PAS) se destinariam à população afrodescendente. O primeiro vestibular a ter a reserva foi o segundo de 2004.

Os interessados deveriam se inscrever no sistema e tirar uma fotografia. Uma comissão analisava as fotos e homologava ou não a inscrição, antes das provas. Os candidatos não homologados concorriam, então, pelo sistema universal. A proposta causou polêmica, pois, mesmo fazendo parte da mesma família, algumas pessoas ficaram de fora do sistema enquanto outras foram incluídas nele. A comissão se extinguiu em 2007, e o processo passou a ser: inscrição por cotas e entrevista após os testes da seleção.

Desde 2004, 3,2 mil estudantes negros ingressaram na UnB por meio da reserva de lugar. Para ser classificado, qualquer candidato, seja do sistema universal ou do de cotas, deve obter uma nota mínima. Depois desse corte, as vagas destinadas aos cotistas são preenchidas pelos estudantes que atingiram maior número de pontos.

Personagem da notícia ¿Me chamaram de nazista¿ Rafael Ohana/CB/D.A Press

Roberta Fragoso Menezes Kaufmann, 31 anos, é formada em direito pela Universidade Federal de Pernambuco. É procuradora do Distrito Federal e advogada voluntária do Democratas (DEM). Em 2003, concluiu na UnB sua dissertação de mestrado sobre o sistema de cotas para negros. O orientador foi o hoje presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, que é professor da UnB. Roberta também assessorou, em 2001, o ministro Marco Aurélio Mello. O conteúdo da tese foi publicado no livro Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? ¿Me chamaram de nazista, facista, racista, quando fui dar uma palestra na UnB. Não consegui abrir a boca para expor meu pensamento. O atual sistema promove uma discriminação inversa¿, diz ela. De todas as diversas dissertações da Faculdade de Direito da UnB, a dela é a única a contestar o sistema.

Sem impedimentos

O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa, lembra que o próprio Supremo adota postura semelhante à das cotas em suas contratações. ¿O ministro Marco Aurélio, quando foi presidente do STF, orientou que nos contratos terceirizados se obedecesse o princípio de garantia à admissão de negros.¿ Nesse caso, será a AGU que vai defender a posição da UnB.

Roberta Kofmann explicou que ação não tem relação alguma com seu trabalho na Procuradoria do DF. ¿Sou advogada voluntária para o DEM, que já tinha se manifestado contra as cotas¿, explicou. O ministro Gilmar Mendes disse ontem que não vê impedimento para apreciar o pedido, por ter sido orientador da tese de Kofmann, em 2003. ¿Não vou me dar por suspeito por causa disso.¿

O governador José Roberto Arruda, que é do DEM, não tinha conhecimento da ação, mas defendeu o Programa de Avaliação Seriada (PAS), no qual as cotas também estão previstas. ¿A UnB tem um projeto de inclusão mais democrático, que é o PAS. Com ele, os estudantes ingressam na universidade de uma forma que não dá para burlar o sistema. Eu sou a favor do PAS¿, comentou.

O site do caderno Eu, estudante, do Correio, publicou enquete que pergunta se o internauta é favorável à suspensão imediata do sistema de cotas da UnB. Às 21h30 de ontem, 1.193 votos haviam sido computados: 82% pelo fim das cotas e 18% pela manutenção delas. A pesquisa continua no ar.