Título: Hezbollah derruba governo do Líbano
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 13/01/2011, O Mundo, p. 23
Onze ministros renunciam diante da iminência de conclusões da ONU responsabilizando grupo xiita pela morte de ex-premier
Arenúncia de 11 ministros ligados ao Hezbollah levou ontem ao colapso o governo do primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, mergulhando o país na incerteza e tornando oficial a rejeição da coligação 8 de Março às investigações da ONU sobre o assassinato do pai de Saad e ex-premier Rafiq Hariri. A conclusão deve levar integrantes do grupo xiita ao banco dos réus. Apesar de pressionado a acatar as determinações do processo, o Hezbollah deu uma demonstração de força política ao anunciar sua saída do governo no exato momento em que o premier libanês se reunia com o presidente americano, Barack Obama, em Washington.
Transformada num microcosmo da disputa entre o fundamentalismo xiita representado pelo Hezbollah e seu aliado Irã, e o Ocidente, a crise no Líbano fez com que Estados Unidos, Europa, a Liga Árabe e diversos países árabes condenassem a manobra e pedissem que o Hezbollah revertesse a decisão. Temendo uma onda de violência como a que parou o país em 2008, quando o governo tomou uma série de medidas contra o Hezbollah, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, emitiu um comunicado pedindo ¿diálogo entre todas as facções e o respeito à lei e à Constituição¿.
Drusos serão o fiel da balança
Saad Hariri, agora primeiro-ministro em exercício, interrompeu a visita a Washington e voou para Paris em busca do apoio do presidente da França, Nicolas Sarkozy. Antes mesmo da chegada do libanês, o Palácio do Eliseu começou as articulações políticas para tentar assegurar a estabilidade na região. Num telefonema ao presidente sírio, Bashar al-Assad, Sarkozy reafirmou apoio às instituições libanesas.
¿ Pedimos ajuda global para ajudar o Líbano a superar essa fase delicada ¿ teria dito Sarkozy, segundo o diário ¿A-Nahar¿.
A lei libanesa determina que, caso mais de um terço dos ministros renunciem, o governo é automaticamente dissolvido, cabendo ao presidente, Michel Suleiman, fazer consultas ao Parlamento para indicar um líder capaz de formar um novo Gabinete ¿ o que significa o recrudescimento de disputas políticas e sectárias.
Para o brasileiro Carlos Eddé, neto do ex-presidente Emile Eddé (1936-1941), o vácuo cria a possibilidade de distúrbios violentos nas ruas. O clima em Beirute, segundo ele, é de tensão, e os libaneses estão cada vez mais divididos em três grupos: os pró-Hezbollah, os soberanistas pró-Ocidente, que rejeitam interferências externas no país, e os desacreditados, que desejam apenas um governo estável.
Segundo Eddé, o impasse deve perdurar até o anúncio da conclusão das investigações do Tribunal Especial para o Líbano ¿ criado em Haia, na Holanda, pela ONU, para investigar e julgar os assassinos do pai de Hariri. Um novo governo, adverte, precisa ter o aval da maioria do Parlamento e, diante da fragmentação política entre os partidários do 8 de Março, ligados ao Irã e ao Hezbollah, e da coligação 14 de Março, ligada ao Ocidente e a Saad Hariri, deve forçar figuras-chave, como o líder druso Walid Jumblatt, a abandonarem a neutralidade.
¿ Jumblatt é agora um personagem central da crise, tem mais peso que o grupo que representa. Ele mudou de lado várias vezes por conta de ameaças, mas os drusos serão o fiel da balança nessa disputa ¿ afirmou ele ao GLOBO.
Desde o início da semana, havia rumores de que o Hezbollah abandonaria o governo, composto por 30 pastas. O anúncio oficial foi feito na manhã de ontem pelo ministro da Energia e Água, Gibran Bassil, em entrevista coletiva transmitida por rádio e TV. Além dos dez ministros do Hezbollah, o bloco 8 de Março conseguiu, ainda, o apoio do ministro aliado Adnan Sayyed Hussein, tornando possível derrubar a coalizão.
As tensões, no entanto, se arrastam desde o ano passado, quando fontes da ONU vazaram à imprensa local a informação de que membros do Hezbollah seriam indiciados pelo mega-atentado que matou Rafiq Hariri e outras 22 pessoas, em 2005. Além de negar envolvimento, o grupo diz não reconhecer a autoridade do tribunal, considerando que acatá-lo significa ¿render-se aos interesses do Ocidente¿. O secretário-geral do grupo, Hassan Nasrallah, garante, ainda, ter provas contundentes de que Israel é o responsável pela morte do político.
Com um primeiro-ministro dividido entre a punição aos responsáveis pela morte do pai e o futuro de seu governo, a crise se acentuou e, curiosamente, dois velhos opositores foram chamados para tentar mediar um acordo entre Hariri e o Hezbollah ¿ a Arábia Saudita e a Síria, que não obtiveram sucesso na missão.
De acordo com o site ¿Now Lebanon¿, o procurador-geral do Tribunal Especial para o Líbano, Daniel Fransen, afirmou que o indiciamento dos responsáveis será anunciado ¿muito em breve, possivelmente já na próxima segunda-feira¿.