Título: Com cadeia, sem cadeia
Autor: Garcia, Luiz
Fonte: O Globo, 14/01/2011, Opinião, p. 7

Está aberta uma polêmica tão curiosa quanto importante: é boa ideia a proposta do novo secretário nacional de Políticas sobre Drogas, Pedro Abramovay, de não condenar a pena de prisão os pequenos traficantes, que vendem cocaína e outras substâncias apenas para financiar o próprio vício?

Não é uma discussão simples. De um lado, há o argumento de que os viciados que comerciam drogas apenas para financiar seu próprio vício são recrutados nas penitenciárias pelos grandes traficantes. E se transformam em bandidos profissionais, como eles.

Também há quem alegue que uma lei de 2006 já avançou, tanto quanto seria prudente, ao instituir penas alternativas, sem cadeia, para quem é unicamente viciado. E que mais importante seria tornar essas penas mais eficientes e realistas do que são hoje. O que, a propósito, não sai barato.

Talvez valha a pena lembrar, como subsídio para o debate, que o sistema penal brasileiro ainda não aprendeu a controlar e avaliar a obediência às condições da liberdade condicional, que tem semelhanças com a pena alternativa. É impressionante o número de presidiários - entre eles criminosos profissionais condenados por crimes cabeludos -- que recebem o prêmio de deixar a cela para passar o Natal com a família e somem no mundo. Incondicionalmente. Quem garante a eficiência do acompanhamento e controle de um aumento considerável na legião dos condenados a penas alternativas?

É possível que a discussão mais sensata do problema dos pequenos traficantes deva começar pela avaliação dos recursos disponíveis. Acompanhar o comportamento de quem cumpre sua pena em liberdade não é simples, nem barato. Por outro lado, faz sentido o temor de que a convivência numa penitenciária com profissionais do tráfico com certeza não ajude a regenerar o principiante que antes apenas vendia cocaína para financiar seu próprio vício.

De qualquer maneira, a discussão sobre a pena alternativa para microtraficantes é oportuna e importante. Uma pergunta é crucial: condená-los a cumprir pena em penitenciárias ajuda a sociedade ou ajuda o crime? O debate provocado pela sugestão de Abramovay mostrou, pelo menos na reação inicial de quem tem a ver com o problema, que não existe consenso. Por enquanto, isso não parece nada fácil. Talvez, antes de se decidir sobre a eficiência da proposta seja necessária uma discussão em torno da eficiência e das deficiências do próprio sistema penitenciário.