Título: O Cavaliere sem blindagem judicial
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Fonte: O Globo, 14/01/2011, O Mundo, p. 25

Tribunal Constitucional derruba partes de lei que permitia a Berlusconi protelar julgamentos

ROMA

Num revés ao primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, o Tribunal Constitucional do país pôs em xeque ontem a imunidade judicial do premier ao derrubar, parcialmente, uma controversa lei que freava processos contra o político e seus ministros. A decisão ¿ uma derrota para o Cavaliere, que há um mês salvou por um triz seu governo ao ganhar com uma diferença de apenas três deputados o voto de confiança da Câmara ¿ impede que Berlusconi faça uso de sua imunidade para escapar de três ações que enfrenta em Milão.

Conhecida como Lei de Legítimo Impedimento, a medida permitia que o premier e seus ministros se ausentassem de audiências na Justiça, alegando problemas de agenda por ¿compromissos oficiais¿. Com isso, os processos eram sistematicamente adiados. A lei, transitória e retroativa, havia sido aprovada em março do ano passado ¿ com validade de 18 meses ¿ como uma solução temporária enquanto Berlusconi tentava aprovar uma nova versão do Laudo Alfano, que dava imunidade aos altos funcionários do Estado, declarado inválido em outubro de 2009.

Premier tacha juízes de `doença¿

Com o duro golpe ao premier ¿ e, consequentemente, a seu governo ¿ caberá aos juízes individualmente responsáveis por julgamentos decidir, avaliando cada caso, se ministros devem ir a julgamento ou não. Foi a primeira vez que uma lei de proteção judicial a Berlusconi passou, ainda que parcialmente, pelo crivo do Tribunal Constitucional. Em 2004 e 2009, medidas mais amplas de imunidade haviam sido totalmente rejeitadas pela Justiça sob o princípio de igualdade perante a lei para todos os cidadãos.

Poucas horas antes de os magistrados votarem pela inconstitucionalidade parcial da Lei de Legítimo Impedimento ¿ 13 deles a favor e dois contra ¿ Berlusconi atacara os juízes e afirmara não haver chances de uma decisão contrária a ele pôr em risco seu governo.

¿ Os juízes são uma patologia, uma doença, e eu já jurei no passado por meus filhos e netos que sou inocente ¿ disse o premier. ¿ Não há perigo à estabilidade do governo, independentemente da decisão da corte.

Segundo colaboradores próximos a Berlusconi, citados pela imprensa italiana, o premier teria dito que a sentença representa um ¿compromisso aceitável¿.

¿ Estou tranquilo. Vamos em frente ¿ teria dito o premier, referindo-se ao fato de o tribunal ter decidido reduzir o campo de aplicação da lei, sem invalidá-la totalmente.

Atualmente, Berlusconi enfrenta três processos na Justiça: por corrupção, apropriação indébita e fraude fiscal em conexão com a venda de direitos de televisão. Entre as acusações, está a de ter subornado, com US$600 mil, o advogado britânico David Mills, em 1997, para que prestasse falso testemunho a seu favor.

Ontem, a oposição comemorava a sentença sobre a lei de imunidade judicial. Apoiando a decisão dos juízes e exigindo explicações do primeiro-ministro, o grupo anti-Berlusconi formado por membros da sociedade civil Popolo Viola saudou a notícia: ¿Agora Berlusconi deverá explicar ao (presidente) Napolitano por que fez promulgar uma lei em parte inconstitucional¿, declararam, em nota, os representantes do movimento.

¿ Não precisava ser nem mau nem comunista para entender que a lei sobre o legítimo impedimento seria substancialmente rejeitada ¿ afirmou, por sua vez, a líder do Partido Democrático, Anna Finocchiaro, de oposição.

Com o governo se agarrando ao poder depois da ruptura com seu então aliado Gianfranco Fini, no ano passado, alguns comentaristas especularam que uma decisão desfavorável poderia desencadear uma nova crise e levar à convocação de eleições antecipadas. O próprio jornal ¿La Repubblica¿ deu força a tais rumores, afirmando que, após a votação, as opiniões sobre o assunto voltaram a circular no governo. O porta-voz de Berlusconi, Paolo Bonaiuti, se apressou em desmentir a boataria.

¿ Não é esse o caso, de maneira alguma ¿ esquivou-se Bonaiuti. ¿ Agora que o país finalmente está emergindo da crise global, os italianos querem que este governo siga adiante no caminho das reformas.