Título: Um oceano de descobertas
Autor: Baima, Cesar
Fonte: O Globo, 14/01/2011, Ciência, p. 27

Expedição espanhola dá a volta ao mundo para estudar o papel do mar no clima

Os oceanos são importantes fatores na regulação do clima e da ecologia na Terra, mas seu papel ainda é pouco estudado e compreendido pelos cientistas. Em busca de respostas, cerca de 400 deles, das mais diversas especialidades e nações, estão participando de uma expedição de volta ao mundo, batizada ¿Malaspina 2010¿, a bordo do navio de pesquisa oceanográfica espanhol ¿Hespérides¿, que atracou ontem no porto do Rio. E, em apenas um mês de viagem, já foram várias as descobertas e surpresas, disse Carlos Duarte, chefe científico e idealizador do projeto.

¿ O Malaspina é possivelmente o maior projeto de investigação dos oceanos em escala global já realizado, não só em recursos como também no número de cientistas e instituições envolvidas ¿ diz. ¿ Nossos objetivos principais são explorar o impacto das mudanças climáticas globais sobre os oceanos e a biodiversidade do oceano profundo, que é o maior ecossistema do planeta e o menos explorado.

Equipamento usado para explorar Marte

Desde que partiu do porto espanhol de Cádiz, em 15 de dezembro, a equipe do Hespérides fez 26 paradas para recolher amostras de água do oceano desde a superfície até uma profundidade máxima de 4 mil metros para estudos a bordo e em laboratórios em terra. Também foram realizadas mais de 500 mil medições da concentração e composição isotópica do dióxido de carbono (CO2) na água, além de outras 6 mil análises do vapor de água atmosférico, gerando cerca de 1 mil gigabytes de dados.

A análise isotópica do CO2, que verifica a presença das três formas comuns do elemento ¿ carbono 12, carbono 13 e carbono 14 ¿, permite saber se ele foi gerado pela natureza ou pelo homem em processos como a queima de combustíveis fósseis. A expedição Malaspina marca a primeira vez que este estudo está sendo realizado a bordo de um navio. Isso porque o aparelho utilizado ¿ um espectrômetro de massa a laser ¿ é primeiro do tipo capaz de funcionar ao sabor do balanço do mar, tendo sido originalmente desenvolvido para equipar as sondas Pathfinder e Phoenix, lançadas pela Nasa rumo a Marte em 1996 e 2007, respectivamente.

¿ É revelador de nosso grau de desinteresse pelos oceanos o fato de um equipamento desenhado para estudar outro planeta ainda não tinha sido usado para estudar o nosso próprio planeta ¿ avalia Duarte.

A retenção de carbono é uma das principais funções reguladoras do clima realizadas pelos oceanos. Mesmo com toda a poluição causada pelo homem nos últimos séculos, a atmosfera tem aproximadamente 600 gigatoneladas (bilhões de toneladas) de carbono, enquanto a biomassa terrestre responde por outras 2,1 mil gigatoneladas. Já nos oceanos, a estimativa é de que eles contenham cerca de 39 mil gigatoneladas de carbono que, se escapassem para o ar, tornariam a Terra inabitável. Além disso, os oceanos ainda capturam por volta de 43% do CO2 emitido pela atividade humana.

¿ Até hoje isso tem ajudado a atenuar o impacto das mudanças climáticas ¿ explica Duarte. ¿ Mas agora temos evidências de que esta capacidade dos oceanos de absorver CO2 está diminuindo. Eles estão perdendo esta função reguladora e isso pode fazer com que, no futuro, as mudanças no clima sejam mais intensas do que as que estamos observando.

Segundo Duarte, a expedição encontrou extensas áreas do oceano em que o balanço de carbono, isto é, a diferença entre o total capturado e o emitido, está negativo, ou seja, mais carbono está saindo da água do que entrando.

¿ O aumento da temperatura do mar está estimulando a respiração do plâncton, em um processo que produz mais CO2 do que o que está sendo retido pela fotossíntese ¿ conta. ¿ Assim, é possível que haja um feedback negativo das mudanças climáticas sobre os oceanos, o que poderia agravar o problema.

A expedição Malaspina ¿ homenagem ao navegador espanhol Alejandro Malaspina, que no século XVIII liderou a primeira expedição científica conduzida pela Armada espanhola e cuja morte completou 200 anos em 2010 ¿ também tem como meta promover a criação de um novo marco legal internacional para a exploração dos recursos naturais dos oceanos. De acordo com Duarte, apenas três países ¿ EUA, Alemanha e Japão ¿ detêm 70% das patentes de genomas de organismos marinhos usados nos mais variados tipos de produtos, com um valor de mercado estimado em mais de R$10 bilhões.

¿ Até hoje não temos um marco legal internacional que seja ético e transparente no aproveitamento destes recursos, que devem ser usados para o benefício de toda a humanidade ¿ defende Duarte.

Além dos estudos atuais, a expedição está guardando amostras para gerações futuras. A ¿Coleção Malaspina¿ ficará selada por 30 anos, após os quais será fonte de estudos de ¿pesquisadores que ainda nem nasceram¿, conta Duarte.