Título: Lula defende ¿biografias
Autor: Foreque, Flávia; Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2009, Política, p. 5

Fiel ao padrão de proteger aliados, presidente aproveita a posse do procurador-geral da República para discursar contra condenações precoces

Gurgel espera decisão do STF para dar seguimento a investigações criminais ¿sem pretensão de substituir a polícia¿

Na recorrente estratégia de defender aliados criticando a imprensa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a posse do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para reforçar o discurso de cautela ao Ministério Público. Na solenidade, ontem, Lula pediu ¿a máxima seriedade¿ nas investigações realizadas pela instituição. O alerta tem um sinal: o Ministério Público não pode vazar dados de apurações em curso para a imprensa. O aviso de Lula ocorreu no mesmo dia em que se divulgaram grampos que indicam a participação do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), na nomeação de familiares, feita com a ajuda do ex-diretor da Casa Agaciel Maia. A tática de Lula foi adotada em outras crises políticas enfrentadas pelo governo.

¿O Ministério Público tem o direito e a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado, porque nós não temos o direito de cometer erros, de condenar. Isso porque no Brasil as pessoas são condenadas antes¿, discursou Lula.

Ao longo dos mais de seis anos de mandato, o comportamento do presidente seguiu a linha de críticas à imprensa quando aliados se tornaram alvos de denúncias. No auge do escândalo do mensalão, em dezembro de 2005, Lula previa a cassação do mandato parlamentar do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, apontado posteriormente pelo Ministério Público como mentor do esquema ilegal. ¿Acredito que o José Dirceu será cassado. Não por causa das provas contra ele, mas pela pressão política¿, afirmou na época. O presidente foi categórico ao dizer que o pagamento de mesada para que parlamentares votassem favoravelmente ao seu governo ¿não existiu¿. Deixou no ar que as acusações do então aliado e presidente do PTB, Roberto Jefferson, saíram da cabeça da oposição e da imprensa.

Pouco antes, Lula defendeu o então ministro da Previdência, Romero Jucá, da acusação de ter usado fazendas fantasmas como garantia de empréstimos em banco público. ¿Eu não posso tirar ou colocar ministro em função desta ou daquela matéria de jornal¿, afirmou o presidente, no início de 2005. A avalanche de denúncias culminou na queda de Jucá ¿ hoje líder do governo no Senado.

O comportamento foi o mesmo dois anos atrás, quando o presidente do Senado era Renan Calheiros (PMDB-AL). O atual líder do PMDB era alvo de denúncias, entre elas, a de que teve suas despesas pessoais pagas por um lobista de uma empreiteira.

Autonomia Apesar das críticas quanto ao vazamento de informações, Lula destacou no discurso a autonomia que deve ser dada ao Ministério Público. Segundo o presidente, essa independência se torna visível pelo fato de ele sempre ter indicado para o cargo de procurador-geral o mais votado na eleição informal da categoria. ¿O Ministério Público não foi criado para atender aos interesses do presidente. Então, como eu indicaria um amigo meu?¿, questiona.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Antonio Carlos Bigonha, o discurso de Lula não pode ser visto como crítica ao trabalho feito pelo Ministério Público. ¿Foi um alerta¿, disse. Bigonha afirmou que a instituição tem passado por um ¿amadurecimento crescente¿ desde a Constituição de 1988, quando o MP ganhou novas atribuições. O presidente da ANPR considera haver, em certos aspectos, uma proximidade ¿exacerbada¿ entre a instituição e a imprensa ¿ motivo de queixas contra a instituição, especialmente no governo Fernando Henrique Cardoso.

Na solenidade, o novo procurador-geral defendeu a atuação do Ministério Público sem que a instituição detenha o ¿monopólio da verdade¿. Roberto Gurgel disse aguardar que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirme a capacidade de a instituição realizar investigações criminais ¿sem a pretensão de substituir a polícia¿.

AÇÃO CONTRA O CRIME

Assim que assinou o termo de posse, Roberto Monteiro Gurgel definiu o perfil que pretende imprimir em sua gestão como procurador-geral da República . ¿Multiplicaremos os esforços contra a criminalidade organizada de modo geral e contra a evasão de divisas, a lavagem de dinheiro, o ataque à integridade do sistema financeiro, o trabalho escravo, o tráfico internacional de pessoas e drogas, delitos que reclamam ênfase especial, sem deixar de agir nas demais frentes que integram o elenco de nossas atribuições¿, destacou.