Título: Na Campus Party, um alerta pela liberdade na rede
Autor: Suwwan, Leila; Gomes, Wagner
Fonte: O Globo, 19/01/2011, Economia, p. 25

Evento em São Paulo começa com debate entre o ambientalista Al Gore e o físico Tim Berners-Lee, criador da web

SÃO PAULO. Maior encontro de tecnologia e inovação do mundo, a Campus Party abriu ontem suas atividades com um debate sobre o futuro da internet. E reuniu dois nomes ilustres. O cientista que criou a World Wide Web (www), Tim Berners-Lee, fez um apelo pela manutenção da internet como uma mídia livre. A visão foi endossada pelo ambientalista Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA e prêmio Nobel da Paz em 2007. Eles demonstraram preocupação com a forma como governos e grandes companhias vêm tentando controlar as informações trocadas na rede.

¿ Com a web, as pessoas tiveram a chance de se conectarem livremente entre si. Sempre que sua liberdade na internet for violada, reclame com a empresa responsável, com o governo. Propague isso no Twitter, em blogs etc.¿ disse Berners-Lee. ¿ A web é como uma folha de papel em branco, pode ser usada para o que as pessoas quiserem. Mas ela só funciona porque é descentralizada.

Al Gore fez discurso em tom de comício, conclamando pela liberdade da internet como mecanismo que garanta a liberdade individual e o melhor funcionamento do mercado:

¿ Defendam a internet. Não deixem que ela seja controlada pelo governo ou por grandes corporações. A internet é uma rede de pessoas.

Segundo Gore, a comunicação política na internet é uma das formas de melhorar os sistemas democráticos. O ambientalista, que antes do debate havia se encontrado com a ex-senadora Marina Silva (PV), foi bastante aplaudido.

Um alerta em favor da privacidade

O ativismo pregado por Tim Berners-Lee ¿ do engajamento de internautas na defesa da rede ¿ se estende também para o campo da privacidade. Ele comentou a prática de monitoramento do tráfego dos internautas por empresas para demonstrar a precariedade do sigilo sobre os dados pessoais.

¿ Atualmente, as grandes companhias monitoram cada passo dos cidadãos na internet. Elas sabem seus nomes, endereços e, principalmente, seus interesses. Sabem se você acessa sites de pornografia e até em qual partido você votará nas próximas eleições. E exploram isso com objetivos comerciais, com o direcionamento de publicidade. O internauta tem que protestar contra essa prática e ficar atento ao monitoramento do seu próprio tráfego ¿ disse Berners-Lee.

Ao mesmo tempo em que informações sobre os cidadãos são devassadas, o cientista afirma que os governos permanecem uma caixa-preta. Ele saudou a decisão do ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown de aumentar a transparência governamental e observou que Barack Obama sinalizou ser simpático à ideia.

Quando o físico tocou nesse ponto, a pergunta inevitável veio: e o WikiLeaks, é uma manifestação positiva desse ímpeto? Berners-Lee, assim como Gore, não quis se comprometer muito com o site de Julian Assange. Disse apenas que é legítimo que toda instituição, inclusive o Exército, tenha seus segredos, mas que quando ele fala em open data, ele se refere a outro tipo de informação.

¿ São coisas mais básicas, que não machucam ninguém, mas que fazem grande diferença em uma sociedade democrática ¿ explicou.

O criador da web também se mostrou insatisfeito quanto à presença da internet no mundo. Segundo ele, apenas 20% das pessoas têm acesso à rede. O desafio, afirmou, é levar a internet aos outros 80%.

Gore também alertou para o perigo dos dispositivos utilizados por empresas na internet para rastrear informações sobre as preferências dos navegadores.

¿ Os cidadãos precisam estar atentos e apoiar leis que protegem a privacidade daqueles que utilizam a internet. Um site, o dictionary.com, baixa 43 cookies no computador que o acessa para buscar o significado de uma palavra. A informação é repassada para anunciantes que chegam até você por conta da busca de uma definição no dicionário. Eu acho que isso deveria ser proibido ¿ argumentou.