Título: Preocupação com 2010
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2009, Economia, p. 16

Analistas acreditam que a taxa básica de juros, que caiu ontem para 8,75%, voltará a subir no ano que vem por causa das incertezas do ano eleitoral.

Ao reduzir ontem a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, para 8,75% ao ano ¿ novo piso histórico ¿, o Banco Central indicou que o processo de flexibilização monetária, iniciado em janeiro, para reverter os estragos da crise mundial na economia brasileira, chegou ao fim. A festa, porém, pode durar pouco. Boa parte dos analistas acredita que o Comitê de Política Monetária (Copom) será obrigado a aumentar os juros em 2010, previsão que causa arrepios no presidente Lula. Nos mercados futuros, as apostas são de alta de até quatro pontos percentuais. Se confirmado esse cenário, considerado extremo, a Selic voltará para 12,75% ao ano.

O ponto principal que está por trás dessa possível alta dos juros são as eleições presidenciais do ano que vem. ¿Os investidores já estão precificando os riscos políticos da eleição¿, disse José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos. ¿Temos de lembrar que os dois principais candidatos à sucessão do presidente Lula, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, deixam dúvidas quanto ao que farão com a política monetária¿, explicou.

Serra, segundo Camargo, deixou claro, por diversas vezes, sua discordância com a autonomia que o BC conquistou no governo Lula. ¿Ele também disse que as taxas de juros têm de ser bem mais baixas e o dólar, mais alto. Isso, para os analistas, significa aceitar inflação maior¿, afirmou. Já Dilma Rousseff é defensora de um Estado mais forte. Na leitura do mercado, se eleita, a ministra ampliaria os gastos públicos, reduzindo o superávit primário (economia para o pagamento de juros), uma política inflacionária. ¿A pergunta é: qual é a taxa de inflação que o próximo governo está disposto a aceitar?¿, indagou.

Inflação Na avaliação do economista Tomás Goulart, do Banco Modal, não são apenas as dúvidas quanto às políticas adotadas pelo futuro governo que levam o mercado a prever o aumento da Selic em 2010. ¿Há riscos inflacionários reais no horizonte com a retomada mais forte da economia¿, sentenciou. Foi por isso, a seu ver, que o Copom sinalizou a interrupção do processo de queda dos juros, ao frisar, em nota, que a inflação se manterá sob controle ¿ao longo de um horizonte relevante¿ com a atual taxa Selic. ¿A partir de agora, o BC avaliará o real impacto da redução dos juros na economia. Os riscos de os juros subirem no ano que vem são elevados. No nosso cenário, vemos a Selic voltando para um nível acima de 10%¿, destacou.

Para o economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu Filho, o que leva o mercado a prever aumento dos juros é a perspectiva de desvalorização do dólar, o que jogaria os preços das commodities (grãos, minérios e petróleo) para cima. ¿Esse movimento é inflacionário e os mercados estão embutindo isso nas taxas futuras de juros¿, afirmou. No entender de Thadeu, ainda é cedo para se atribuir as apostas do mercado às eleições de 2010. ¿Os juros futuros estão em alta em todos os países produtores de commodities¿, destacou.

Segundo Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING, os juros nem deveriam ter caído ontem, devido às incertezas políticas e à falta de indicadores concretos sobre o ritmo de retomada da atividade econômica. ¿Mas, como houve a opção por mais um corte, o melhor é esperar para ver todo o impacto da flexibilização monetária. Novas quedas na Selic são arriscadas¿, frisou. A decisão do Copom foi por unanimidade. Desde janeiro, a Selic caiu cinco pontos percentuais. ¿Entramos em um patamar de juros desconhecido. A taxa real (descontada a inflação) caiu para 4%, algo impensável há poucos meses¿, acrescentou.

Mesmo com a Selic cravando novo piso histórico, o empresariado não gostou do tamanho da queda de ontem. Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, ¿o abrandamento da política monetária é prematuro e equivocado¿, pois, ¿apesar dos sinais positivos, a crise não foi superada e as condições da economia brasileira exigem um corte mais expressivo nos juros¿. Na avaliação do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, o Copom não está engajado no processo do setor produtivo.

REDUÇÃO NOS BANCOS

Tão logo foi anunciado o corte na Selic, os principais bancos do país divulgaram redução no custo dos empréstimos. Banco do Brasil (BB), Itaú-Unibanco, Santander-Real e Bradesco garantiram que estão repassando integralmente a baixa a seus clientes. No BB, a taxa máxima do cheque especial caiu para 7,65%. No cartão de crédito, os juros máximos cederam para 12,52% ao mês. No crédito pessoal, a taxa máxima ficou em 5,25% mensais. No Bradesco, os juros máximos do cheque especial recuaram de 8,28% para 8,24% mensais e, no crédito direto ao consumidor (CDC), a taxa mínima passou de 2,80% para 2,76% ao mês. No Santander-Real, os juros máximos do cheque especial baixaram de 9,42% para 9,38% ao mês. (VN)