Título: R$ 24 mil/mês e sem contribuir, só para poucos
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Fonte: O Globo, 20/01/2011, O País, p. 12

SÃO PAULO. Para garantir uma aposentadoria privilegiada - como a que vem sendo concedida a muitos ex-governadores, no valor de até R$24 mil -, um cidadão brasileiro teria de contribuir, a partir dos 25 anos, com R$1 mil por mês, no mínimo, num plano de previdência privada. Ainda assim, precisaria esperar até os 79 anos para começar a receber o benefício. Ou seja, enquanto um ex-governador consegue o benefício após quatro anos no cargo, um trabalhador brasileiro precisaria de 54 anos. O cálculo confirma que a remuneração que beneficia ex-titulares dos executivos estaduais, após deixarem o cargo, só é possível para uma parcela muito restrita da população.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2009, mostrou que um terço dos ocupados no Brasil ganhava entre um e dois salários mínimos. Com essa renda, que hoje seria de R$540 a R$1.080, essa parcela da população jamais conseguiria custear esse valor de contribuição.

Contribuições mensais de R$4,5 mil durante 35 anos

O especialista em cálculos previdenciários Newton Conde, da Conde Consultoria Atuarial, explica que, para obter essa remuneração um pouco antes, aos 60 anos, idade média de aposentadoria dos brasileiros, o sonho fica ainda mais restrito.

- Você teria que investir R$4.500 por mês dos seus 25 anos aos 60. Para arcar com um benefício de R$24 mil, você precisa ter cerca de R$4 milhões aplicados (no fundo de previdência). Isso realmente é possível para poucos - afirmou Conde.

Pelo menos 15 ex-governadores do Rio Grande do Sul e do Paraná ganham R$24 mil, como uma espécie de recompensa pelo exercício do cargo. Por essa remuneração, não fizeram contribuição alguma, como é exigido do cidadão comum. O dinheiro para custear a regalia sai diretamente dos orçamentos estaduais e, quando eles morrem, as viúvas passam a receber.

Os mais recentes integrantes deste grupo são o senador Pedro Simon (PMDB-RS), a ex-governadora gaúcha Yeda Crusius (PSDB), o ex-governador paranaense Roberto Requião (PMDB) e o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

Simon e Dias solicitaram a aposentadoria no fim de 2010, 20 anos após terem deixado o cargo. Recebem R$24,1 mil e R$24,5 mil, respectivamente.

O governo gaúcho informou anteontem que também autorizou o pedido de Yeda de acesso ao subsídio mensal vitalício. Ela foi incluída na folha de pagamento do estado no último dia 13.

Essas aposentadorias e as respectivas pensões a viúvas dessas autoridades estão na mira da Justiça, por serem consideradas inconstitucionais. O GLOBO revelou na última segunda-feira que mais de 60 antigos governantes estaduais estão usufruindo o privilégio, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2007. As legislações estaduais, embora em dissonância com o que diz a Constituição federal, garantem o pagamento do privilégio.

A reportagem mostrou que essa lista de beneficiados não para de crescer. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) anunciou que entrará com ações direta de inconstitucionalidade para cassar os subsídios. A entidade foi a autora da ação que, em 2007, acabou com o pagamento do subsídio no Mato Grosso do Sul ao ex-governador Orcírio dos Santos, o Zeca do PT.

No Rio, são quatro ex-governadores na lista de pagamentos e seis viúvas. O valor do benefício é o salário do governador Sergio Cabral, de R$17,2 mil.

Filho do ex-governador fluminense já morto Raimundo Padilha, o "imortal" Tarcísio Padilha procurou O GLOBO para defender o recebimento da pensão por sua mãe:

- Meu pai foi o último governador do antigo Estado do Rio e deixou o cargo aos 75 anos. Foi uma vida toda dedicada à política e, quando saiu do governo, não tinha outra fonte de renda. Minha mãe tem 97 anos e acho justo receber. Não vejo como um aproveitamento dos recursos dos cofres públicos.