Título: Decisão histórica
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2009, Economia, p. 17

Cade condena a cervejaria Ambev a pagar multa de R$ 352 milhões por impor fidelização a revendedores. Julgamento servirá de modelo a outros ao considerar a prática prejudicial, mesmo sem constar de contratos

"Embora não constante em contrato com os pontos de venda, foi constatada de forma incontestável, gerando o mesmo efeito da exigência de exclusividade¿ Arthur Badin, presidente do Cade

A decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de condenar a cervejaria Ambev ao pagamento de multa recorde no valor de R$ 352,6 milhões por práticas lesivas ao mercado e ao consumidor deve servir de parâmetro para a atuação das empresas daqui para frente. É o que espera o presidente do Cade, Arthur Badin, que não escondeu o seu desejo durante a sua declaração de voto. A resolução unânime é uma demonstração de total concordância com a conclusão do relator do processo, Fernando de Magalhães Furlan: ¿ Os consumidores são os mais prejudicados. Não terão eles nem a variedade nem os preços desejados¿, afirmou em seu voto.

A empresa foi condenada por ter usado um programa de fidelização que induzia os pontos de venda a manterem exclusividade na venda de seus produtos ¿ Brahma, Antartica e Skol ¿ ou a reduzirem drasticamente as compras de outras marcas concorrentes. A queixa foi feita em 2004 pela Schincariol, quando lançava a Nova Schin, principal produto do grupo a partir de então.

¿Destaco dois pontos no intuito de sublinhar que este voto pode se tornar paradigmático¿, disse Badin. ¿A restrição à condução vertical: Embora não constante em contrato com os pontos de venda, foi constatada de forma incontestável, gerando o mesmo efeito da exigência de exclusividade.¿ A outra questão ressaltada pelo presidente do Cade foi quanto à participação de mercado da Ambev, que responde por parcela expressiva do consumo nacional de cerveja. ¿Possuir 70% de participação do mercado é bom. Mas junto com esses 70% vem carregada uma responsabilidade de atuação. Ou seja, práticas comerciais que poderiam ser lícitas se a participação do mercado fosse inferior adquirem efeitos anticompetitivos em uma situação como esta¿.

Para o relator Fernando Furlan, quem detém 70% do mercado deve ser cuidadoso o suficiente para que suas práticas não tenham efeitos danosos sobre os concorrentes. ¿O movimento de um elefante sempre terá repercussões maiores do que o de um felino¿, disse. O conselheiro acrescentou ainda em seu voto: ¿A representada (Ambev) sempre trabalhou no limite da agressividade e da licitude¿. Desta vez, segundo ele em seu voto, ¿a Ambev se excedeu¿.

Por isso, o relator propôs a multa milionária, a maior já aplicada por agências reguladoras no país a uma única empresa no âmbito administrativo ¿ equivalente a 2% do faturamento total da empresa em 2003, descontados os impostos. A multa deverá ser paga em 30 dias.

Além da multa, o Cade determinou que a cervejaria interrompa imediatamente a exigência de exclusividade ou a limitação de compra de produtos das concorrentes, situação que, segundo o Cade, continua sendo imposta aos pontos de venda. Caso continue com a prática, a empresa pagará multa diária de R$ 53,2 mil. Caberá à Secretaria de Direito Econômico (SDE) acompanhar o cumprimento da decisão.

Dirigentes O Cade entendeu ainda que há indícios de que dirigentes da Ambev trabalharam para encobrir a exigência da exclusividade. Por isso, decidiu que a SDE deverá investigar as condutas dos responsáveis pela implantação do programa de fidelização. Por fim, a Ambev terá de publicar em meia página de jornal, por dois dias, em três semanas seguidas, a decisão do Cade.

Em sua defesa, a cervejaria alegou que seus programas eram legais e beneficiavam o consumidor, pois ofereciam descontos nos preços dos produtos, e o comerciante, por ter sido contemplado com material publicitário específico capaz de aumentar as vendas. Na véspera do julgamento, a Ambev ainda tentou um acordo, oferecendo ao Cade a assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação de Prática, mas a autoridade não aceitou.

Para a Schincariol, a decisão do Cade foi uma vitória para todos os participantes do setor, ¿ao sedimentar o entendimento das autoridades brasileiras de que deve prevalecer, no país, um ambiente econômico marcado por igualdade de condições de competição¿. E acrescentou em nota: ¿A decisão ainda torna explícita a convicção (¿) de que o poder econômico não pode se valer de sua condição para limitar a capacidade de decisão do consumidor e restringir o acesso ou crescimento legítimo de quaisquer companhias no mercado de bebidas.

Surpresa Em nota, a empresa informa que recebeu com surpresa a decisão e nega que o programa Tô Contigo baseie-se em exclusividade. Diz, ainda, que a Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, responsável pela investigação, sugeriu ajustes no programa e que a maior parte já foi feita. A Ambev acrescentou que vai aguardar o acesso ao texto integral da decisão para decidir se vai recorrer da decisão, ao Cade ou à Justiça.

CADE

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica é um órgão com jurisdição em todo o território nacional, criado pela Lei nº 4.137/62 e transformado em autarquia vinculada ao Ministério da Justiça pela Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. As atribuições do Cade estão previstas também na Lei nº 8.884. Ele tem a finalidade de orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel de prevenção e repressão.