Título: O mea culpa de Hu
Autor: Godoy , Fernanda
Fonte: O Globo, 20/01/2011, O Mundo, p. 36

Foram necessárias duas perguntas seguidas de jornalistas americanos para que o presidente da China, Hu Jintao - em viagem oficial aos Estados Unidos - finalmente falasse sobre a situação dos direitos humanos no país e reconhecesse que "muito precisa ser feito" por seu governo nessa área. A pressão estava no ar desde a cerimônia de boas-vindas, quando o presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o mundo é mais justo "quando os direitos de todos são respeitados, inclusive os direitos universais de todos os seres humanos".

- A China está sempre comprometida com a proteção e a promoção dos direitos humanos. A China reconhece e respeita a universalidade dos direitos humanos. Mas somos um país em desenvolvimento, com enormes problemas, num estágio crítico de reformas. Temos desafios, e muito precisa ser feito em termos de direitos humanos - afirmou o presidente Hu.

A primeira pergunta, dirigida aos dois presidentes na entrevista coletiva conjunta, havia sido pulada por Hu, que depois alegou que uma falha da tradução o teria impedido de entender que o repórter também queria uma resposta dele. Mas o presidente chinês já havia deixado sem resposta pergunta sobre o tema em entrevista por escrito aos jornais "Washington Post" e "Wall Street Journal", publicada na segunda-feira.

Obama, Nobel da Paz em 2009, deu várias voltas antes de fazer uma condenação mais clara da situação dos direitos humanos na China, país que mantém preso o ganhador do prêmio Nobel da Paz de 2010, Lu Xiaobo. O presidente americano ponderou que a China tem "um sistema político diferente, está em outro estágio de desenvolvimento" e tem outra cultura, antes de afirmar que, para os americanos, valores como liberdade de expressão e de religião são fundamentais.

- Fui muito franco com o presidente Hu nas nossas conversas sobre esse assunto, que é uma fonte de tensões nas nossas relações, como foi na dos presidentes que me precederam. Houve evolução na China nos últimos 30 anos, desde a normalização das nossas relações, e nos próximos 30 anos que virão nós veremos mais evolução - disse Obama, cuidadoso na escolha das palavras para não desfazer o clima de cooperação mútua, que inclui a continuação do diálogo formal sobre direitos humanos.

Meta de desmilitarizar Coreia do Norte

Obama afirmou que o país recebe positivamente a "ascensão pacífica" da China.

- Acredito plenamente que a ascensão pacífica da China é boa para o mundo e é boa para os EUA - disse. - Nós saudamos a ascensão da China, só queremos assegurar que ela ocorra de uma maneira que reforce as regras internacionais e que promova a paz e a segurança, em vez ser uma fonte de conflito na região e no mundo.

O presidente americano disse que os dois países pretendem estreitar sua cooperação em uma série de assuntos de segurança, como a desmilitarização da Península Coreana, a redução de arsenais nucleares e a exigência de que o Irã cumpra suas obrigações com a comunidade internacional em relação aos tratados de não proliferação de armas nucleares.

- Nós concordamos que a Coreia do Norte precisa evitar novas provocações, e temos a meta de desmilitarização da península - disse Obama.

Este foi o oitavo encontro entre os dois presidentes, e a primeira visita de Estado de uma autoridade chinesa da qual Obama foi anfitrião. À noite, Hu seria recebido num banquete. Obama destacou a necessidade de construção de uma relação de confiança crescente entre os dirigentes, enquanto Hu enfatizou expressões como "respeito mútuo" e "em pé de igualdade". Todo o cerimonial da recepção, incluindo guarda de honra, banda de música e salva de 21 tiros, foi preparado para dar ao presidente chinês as imagens de deferência que deverão ter boa repercussão na China. Em retribuição, Hu distribuiu cumprimentos e sorrisos a dezenas de pessoas que estavam no gramado da Casa Branca, uma cena incomum para líderes chineses.

Obama tocou num assunto sempre delicado para governantes chineses: o Tibete. O presidente americano disse que os EUA reconhecem o Tibete como parte do território da República Popular da China, mas continuam apoiando o diálogo com o líder espiritual tibetano, o Dalai Lama, que vive exilado na Índia. Alguns manifestantes com cartazes "Free Tibet" (Tibete livre) foram mantidos à distância, do lado de fora da Casa Branca. O tema não foi citado por Hu, que preferiu se dedicar mais ao futuro das relações entre os dois povos como uma construção do futuro para os jovens, mencionando acordos para intercâmbio de estudantes.