Título: MEC quer criar estatal para aplicar o Enem
Autor: Weber, Demétrio ; Gomes, Rodrigo
Fonte: O Globo, 21/01/2011, O País, p. 3

Apelidada de "Concursobras", empresa aproveitará estrutura da Universidade de Brasília

O Ministério da Educação quer criar uma empresa para aplicar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outras avaliações oficiais. A ideia é que a futura estatal, apelidada de "Concursobras", aproveite a estrutura do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), da Universidade de Brasília (UnB).

A proposta, feita já no ano passado, está em discussão num grupo de trabalho formado pelo MEC e o Ministério do Planejamento. A nova presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Malvina Tuttman, entra agora na discussão. Ela foi nomeada na última terça-feira, com a missão de fortalecer o Enem.

A nova estatal seria inspirada no modelo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que é vinculado academicamente à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mas funciona como empresa pública de direito privado. O Hospital de Clínicas tem liberdade para contratar e demitir funcionários pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o que flexibiliza a gestão.

Ao propor a criação da "Concursobras", o MEC tenta dar resposta às falhas que marcaram as edições do Enem em 2009 e 2010, quando o exame passou a substituir vestibulares em universidades federais.

O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, diz que tratou do assunto com o ministro Fernando Haddad no fim do ano passado e neste mês. Como reitor da UnB, José Geraldo é responsável pelo Cespe - órgão contratado sem licitação para realizar o novo Enem, em consórcio com a Fundação Cesgranrio.

José Geraldo diz que desconhece detalhes da proposta do MEC, mas não esconde a desconfiança em relação ao projeto. O receio é que a nova estatal, ao reestruturar o Cespe, acabe tirando da universidade o controle sobre o órgão e desvirtuando sua atuação. Segundo ele, a realização de avaliações e concursos públicos, no formato adotado hoje pelo Cespe, é uma atividade com viés acadêmico.

A criação de uma estatal para gerir hospitais universitários, no fim do ano passado, deixou reitores de universidades federais desconfiados em relação a iniciativas do gênero. É que a estatal dos hospitais universitários, segundo eles, transfere poder das universidades para o MEC.

No caso de uma eventual "Concursobras", há dúvidas sobre o foco de sua atuação: a empresa faria somente o Enem e avaliações como a Prova Brasil e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) ou realizaria também concursos públicos? Neste caso, a estatal teria o monopólio dos concursos federais ou disputaria essa fatia do mercado com o setor privado?

Atualmente o Cespe enfrenta limitações para contratar pessoal, já que, após o escândalo que levou à saída do reitor Timothy Mulholland, em 2008, a UnB não tem mais fundações de apoio. Na época, o Ministério Público denunciou que a Finatec (Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos), uma das fundações da UnB, pagara a mobília de luxo do apartamento funcional do reitor.

As fundações servem de brecha legal para que universidades federais contratem pessoal fora do regime jurídico único, que rege o funcionalismo público, com direito a estabilidade e aposentadoria integral. Assim, resta ao Cespe a possibilidade de contratar funcionários para serviços eventuais. Após a saída de Mulholland, o governo, o Congresso e o Tribunal de Contas da União (TCU) definiram regras mais rígidas de controle e transparência das fundações. A Finatec tenta agora ser recredenciada pelo governo, o que poderia acontecer ainda ontem.

Para a UnB, a volta da Finatec permitirá ao Cespe contratar pessoal e executar suas tarefas sem problemas. Para José Geraldo, as novas regras de funcionamento das fundações inibem desvios:

- O modelo previne que ocorram aquelas incidências já identificadas, não só na nossa fundação, mas em outras - diz o reitor. (Demétrio Weber)