Título: Diferenças à mesa
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 23/07/2009, Mundo, p. 26

Chanceler israelense topa com posições divergentes sobre Irã e palestinos, mas convida à mediação

O chanceler israelense, Avigdor Lieberman, deixa o Brasil hoje com a certeza de que as posições do anfitrião sobre o Irã e o processo de paz no Oriente Médio são bem mais sólidas do que seu governo gostaria. Nos encontros de Lieberman com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o colega brasileiro, Celso Amorim, o tom foi ¿cordial¿, mas a mensagem ficou clara: o Brasil não retirará o convite feito ao chefe de Estado iraniano, Mahmud Ahmadinejad, nem mudará sua posição em temas como os assentamentos em territórios palestinos e a necessidade de criar um Estado palestino ¿sem restrições¿.

Segundo Amorim, nos dois encontros de que participou com Lieberman ¿ o primeiro ao lado do presidente Lula, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) ¿, os dois governos expuseram, de maneira muito ¿sincera¿, seus pontos de vista sobre diversos assuntos. ¿Pudemos reforçar nossa posição em favor do reconhecimento pleno de um Estado palestino, que funcione sem restrições e que seja economicamente viável, mas também um Estado de Israel que não se sinta ameaçado¿, disse o chanceler.

O ministro deixou claro que considera o aumento nos assentamentos ¿um fator que dificulta¿, e que reconhece os ¿problemas da segurança¿ de Israel. ¿Se ele concordou ou não, eu não sei, mas ele ouviu educadamente. Além disso, vamos continuar essas conversas¿, afirmou Amorim. Ele destacou ainda que viu ¿um certo progresso¿ nas declarações do ultraconservador Lieberman em Brasília. ¿Achei ele mais aberto a uma conversa do que eu poderia esperar¿, disse, surpreso.

Sobre o regime de Teerã, o israelense parece não ter conseguido avançar tanto quanto gostaria, mas deixou seu recado. ¿O Irã é uma ameaça não só ao Oriente Médio, mas a toda a comunidade internacional. Talvez mais do que qualquer outro país, o Brasil pode tentar convencer os iranianos a pararem seu programa nuclear¿, afirmou logo após o encontro com o colega brasileiro no Itamaraty. Lieberman, contudo, não fez nenhum pedido de intermediação, muito menos pediu que Ahmadinejad não seja recebido por Lula, segundo Amorim. ¿Não se faz assim com o Brasil¿, afirmou o ministro.

Falta de diálogo Indiretamente, Lieberman assumiu que o súbito interesse demonstrado em relação ao Brasil ¿ evidenciado por sua própria visita, a primeira de um chanceler israelense em mais de 20 anos, com a viagem do presidente Shimon Peres, prevista para novembro, a reabertura do consulado-geral em São Paulo e a negociação de mais voos diretos entre o Brasil e Telavive ¿ tem ligação com a aproximação do país ao Irã. O chanceler israelense sugeriu que os ¿desacordos e incompreensões¿ entre Israel e Brasil podem ter sido gerados pela ¿falta de diálogo direto entre os dois países¿.

Os dois ministros, contudo, tentaram mostrar que as divergências não atrapalharão as relações bilaterais. ¿Mesmo entre amigos, não se pode concordar em todas as questões¿, admitiu Lieberman. Já Amorim disse que o Brasil tentará não se prender às discordâncias no diálogo com Israel. ¿O que não pode é uma questão ficar sendo condição prévia para você avançar em outras, senão não se vai conseguir avançar nunca¿, afirmou. O visitante confirmou aos jornalistas a vinda do presidente Peres em novembro e disse esperar por Lula em Israel em 2010.

América do Sul Do Brasil, Lieberman segue para Buenos Aires, Lima e Bogotá, onde também deverá pedir mais ¿pressão¿ sobre o Irã. A preocupação de Israel com a região tem ficado cada vez mais evidente, principalmente em relação à Venezuela e à Bolívia, que mantêm acordos para venda de urânio a Teerã. Não por acaso, Caracas e La Paz romperam relações com Israel e retiraram seus embaixadores no início do ano, em protesto contra a ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza.

O chanceler israelense dedicou 10 dias para a viagem pela América do Sul também como reconhecimento da importância crescente dos laços econômicos. Foi com Israel que o Mercosul assinou seu primeiro acordo de livre comércio com um parceiro de fora da região.

TEMA EXPLOSIVO

O chanceler israelense, Avigdor Lieberman, disse estar convencido de que o programa nuclear iraniano não tem fins pacíficos. Uma prova disso, argumentou, é que o país desenvolve mísseis de longo alcance. O ministro Celso Amorim, por sua vez, afirmou que o ideal seria ¿garantir que todos os países tenham pesquisas nucleares exclusivamente para fins não militares¿, e que o governo gostaria que, como foi feito pelo Brasil, todos os países assinassem o Tratado de Não Proliferação (TNP). ¿Temos defendido, nas Nações Unidas, resoluções que apontam no sentido de um Oriente Médio livre de armas nucleares¿, lembrou Amorim.