Título: Um desafio ao Nordeste Maravilha
Autor: Ordoñez, Ramona; Freitas, Andrea; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 23/01/2011, Economia, p. 29

APAGÃO DE MÃO DE OBRA

Empresas freiam investimentos diante da falta de pessoal qualificado na região

Amagia do Sul Maravilha migrou para o Nordeste. Vivendo um boom de investimentos único, a região começa a atrair mão de obra de cariocas e paulistas. Diante de tanto investimento industrial, de infraestrutura e do varejo, estados como Pernambuco e Piauí tem sofrido com a falta de mão de obra especializada, o que está freando novos projetos na região. Enquanto a indústria voltada para o mercado interno do Ceará se expande junto com o aumento da renda e do emprego.

- Em Pernambuco, os investimentos até 2015 somam R$55 bilhões. Isso representa 71% do PIB (conjunto de bens e serviços produzidos) do estado, que é de R$77 bilhões - diz a economista Tania Bacelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco.

Sofrendo com a concorrência por mão de obra de projetos grandiosos como as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, a Eletrobras reduziu investimentos no Nordeste e também no Norte. O presidente da estatal, José Antônio Muniz Lopes, afirmou que isso ocorreu em duas empresas do grupo: a Eletrobras Distribuição Piauí e a Eletrobras Distribuição Rondônia. A companhia do Piauí planejava investir R$800 milhões em 2010, e só conseguiu gastar pouco menos de R$500 milhões.

A falta de pessoal é tão grande no Piauí que a distribuidora treinou agricultores e seus filhos para trabalharem no setor elétrico. A Eletrobras de Rondônia tem um déficit de mão de obra de 45%:

- Nós disponibilizamos todos os recursos para o Luz para Todos no Piauí, e nos deparamos com a falta de pessoal para tocar as obras.

Faltam engenheiros elétricos, eletricistas, técnicos de fiscalização, entre outros. A distribuidora do Piauí chegou a fazer um concurso público para preencher 30 vagas de engenheiro elétrico, somente três se inscreveram. Segundo Muniz, além dos projetos em Rondônia, a competição é acirrada também em Pernambuco, com as obras de transposição do Rio São Francisco, a Transnordestina, a duplicação da BR-101, além da construção da refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, e o Estaleiro Atlântico Sul, ambos em Pernambuco.

- Além do Atlântico Sul, há mais dois estaleiros em construção, uma siderúrgica, uma montadora da Fiat, uma petroquímica e um conjunto imobiliário de R$5 bilhões somente na Região Metropolitana de Recife - afirmou Tania Bacelar.

O técnico em Planejamento Eduardo Gomes Salles, de 37 anos, não pretende voltar para o Rio. Trocou Irajá por um confortável apartamento próprio, de três quartos, com 140 metros quadrados e a quatro quadras da praia de Boa Viagem (Recife). E por um salário 20% maior do que recebia no Rio. Em agosto de 2008, foi demitido. Tentou se recolocar no Rio, mas as ofertas de salário representavam apenas 30% do que ele recebia antes. Hoje, Salles trabalha na Alusa Engenharia, uma das empresas que atuam dentro da Refinaria Abreu e Lima, como técnico de controle de custo.

- No meu setor, nem 10% da mão de obra são de trabalhadores locais. Há ótimos profissionais aqui, mas não com especialização e experiência em petróleo e gás - conta ele, que foi acompanhado da mulher, Adriana Bentes, e dos três filhos dela, Yuri, de 17 anos, Arthur, de 13, e Nicholas, de 6. Ela arrumou emprego em menos de um mês, e quando saiu do Rio já estava empregada e ganhando quase o dobro do que recebia em outra empresa que também atende a refinaria.

Já o eletrotécnico Alexandre Fuchs Oliveira, de 39 anos, deixou nove anos de idas e vindas às plataformas da Petrobras em Macaé por uma vaga como inspetor na Petroquímica Suape, ganhando o triplo do que em Macaé.

- Relutei um pouco. Mas Macaé não tem como cobrir os salários daqui - conta Oliveira, que também se mudou com a mulher e os dois filhos.

Em Piauí, a construção civil está a pleno vapor, a ponto de trazer de volta trabalhadores que foram procurar emprego em São Paulo. O servente de pedreiro Antônio de Sousa Lima, de 30 anos, trabalhava como cortador de cana em Orlândia (SP) desde 1999, quando percebeu o vigor da construção civil no Piauí. Desde que voltou ao estado natal não parou de trabalhar.

- Eu fui terminando um trabalho e entrando em outro. Nem solicitei seguro desemprego e não quero mais voltar para São Paulo. Deus me livre e guarde de voltar a trabalhar no corte de cana. Cana agora, só litro para beber.