Título: Onde os estragos foram maiores
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 26/01/2011, Rio, p. 12

Bom Jardim teve uma morte, mas metade da população foi atingida pela enxurrada

Duas semanas após a tromba d"água que matou 827 pessoas na Região Serrana, as marcas dos deslizamentos de encostas e da enxurrada ainda são bem visíveis em Bom Jardim, a cerca de 25km de Nova Friburgo e a 180km do Rio. Ali, embora só tenha sido registrada uma morte, os estragos foram ainda maiores do que em Friburgo, com 399 óbitos. Enquanto nesta última cidade um dos principais motivos da tragédia foi a habitação em encostas, em Bom Jardim um dos grandes vilões foi a ocupação das margens dos rios. O secretário municipal de Obras, Thiago Muniz Braga, calcula os prejuízos em R$75 milhões, mais que o dobro do orçamento anual da cidade, que é de R$30 milhões. Segundo ele, o município pode levar até quatro anos para se recuperar. A Secretaria de Assistência Social de Bom Jardim estima que, dos 26 mil habitantes, cerca de cinco mil - quase 20% - estão desabrigados ou desalojados.

- Pelo menos a metade da população foi afetada, direta ou indiretamente. Seja perdendo suas casas, seja ficando provisoriamente sem emprego, porque as máquinas das confecções, base da economia da cidade, foram destruídas. Muitos agricultores também perderam tudo. Isto sem contar que muita gente que mora aqui e tem emprego em Friburgo deixou de ir trabalhar, porque não havia como sair da cidade - disse a assistente social Janine Amaral.

Embora o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) fixe em 300 metros a área mínima não edificável à beira dos rios, a regra não era respeitada por dezenas de imóveis localizados no bairro de São Miguel (próximo ao Centro) e nas localidades de São José e Banquete. O Bom Jardim Maravilha Clube teve piscinas, sauna, dois campos de futebol e salão de festas destruídos. O mesmo aconteceu com a sede da Guarda Municipal, três postos de saúde e um galpão da prefeitura onde ficavam máquinas pesadas e ambulâncias. Municípios vizinhos estão emprestando retroescavadeiras e outros equipamentos para retirar a lama.

O agricultor aposentado Devaldo de Aguiar, de 67 anos, foi um dos que sofreram prejuízos, por ter imóveis alugados à beira do Rio Grande.

- Perdemos tudo. Jamais imaginei que isso aconteceria.

Pela reconstrução, prefeito renuncia

Boa parte da cidade ainda não teve os telefones fixos religados, já que os cabos se partiram com a queda de uma ponte na RJ-116. A travessia entre os dois lados da cidade está sendo feita - por enquanto, só a pé - por duas pontes provisórias: uma montada pela prefeitura e a outra, pelo Exército. Uma ponte para veículos só será concluída em seis dias.

Em meio à destruição, o prefeito Affonso Henriques Monnerat Alves da Paz, de 26 anos, em seu segundo mandato, vai renunciar ao cargo semana que vem. Ele aceitou um convite do governador Sérgio Cabral para assumir o Gabinete de Emergência e Reconstrução, que vai coordenar, pelo governo do estado, os esforços para recuperar a infraestrutura das sete cidades serranas atingidas pelo temporal. No lugar de Monnerat assumirá o vice, Paulo Vieira de Barros. O prefeito não foi localizado pelo GLOBO. O vice-governador Luiz Fernando Pezão confirmou o convite a Monnerat:

- Ele conhece a região e não poderia simplesmente tirar uma licença. Para ocupar outro cargo em qualquer Executivo, só mediante renúncia.

A Secretaria estadual do Ambiente vai exigir contrapartidas ambientais para aplicar o dinheiro que será usado na reconstrução da Região Serrana. As determinações do Código Florestal - como a criação de reservas de proteção ambiental em 20% dos terrenos rurais, a proteção das margens de rios, de encostas íngremes e do topo dos morros - terão que ser cumpridas. Além disso, hotéis que implantarem medidas ambientalmente corretas, como captação de água de chuva, também ganharão benefícios, como redução de juros em empréstimos. O estado terá R$400 milhões do BNDES para as áreas afetadas pelas chuvas.

- A Lei Florestal não é cumprida em 90% do Brasil. Em vez de começar com o chicote, vamos com a cenoura. A verba para a Região Serrana terá condicionantes ambientais, cumprindo a lei. Aprovamos essas exigências hoje (ontem), numa reunião na Secretaria de Desenvolvimento Econômico com representantes de Banco do Brasil, BNDES, Caixa e Investe-Rio (agência estadual de fomento) - disse Minc.

A agricultura da região poderá ganhar novo perfil. Minc quer incentivar a cultura orgânica, um dos compromissos assumidos pela candidatura do Rio para as Olimpíadas de 2016. Ele estima que quatro mil de 17 mil produtores rurais foram atingidos. O secretário também espera criar em cada cidade um horto para gerar mudas.