Título: Inconfidências regionais
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 27/01/2011, O Mundo, p. 28

EUA e Brasil: atrito por Venezuela e Cuba

A América Latina se mostra como o tema que continua causando mais fricção no relacionamento bilateral Brasil-Estados Unidos, a julgar pelos debates de bastidores entre autoridades dos dois países em busca de uma convergência que parece inatingível devido às diferenças ideológicas entre ambos. Venezuela e Cuba seriam os dois maiores entraves, é o que mostram documentos revelados pelo WikiLeaks ao GLOBO.

Por um lado, os EUA querem que o Brasil contenha Hugo Chávez, o presidente venezuelano. Num longo encontro com Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então embaixador americano Clifford Sobel lhe disse que Washington "vê o Brasil como um contrapeso na região ao comportamento imprevisível e perturbador de Chávez". E reiterou que o governo americano esperava que "um maior engajamento do Brasil servirá para contrabalançar a influência perniciosa de Chávez".

A contrapartida foi manifestada, pouco depois, por Marco Aurélio Garcia, assessor especial de política externa de Lula (ele permanece no mesmo posto no governo de Dilma Rousseff). Numa reunião com Sobel ele lhe disse que as relações dos EUA com a América Latina e o Caribe "são complicadas" e que dependem dos EUA em exibir "um estilo de maior colaboração, em particular em relação a uma abertura a Cuba".

Em janeiro de 2009, Sobel informou a Washington que - devido à postura do Brasil - estava difícil estabelecer um trabalho na região.

Garcia, por sua vez, disse que "as relações entre os EUA e a América Latina não são fáceis, e chegou a aconselhar aos americanos que, em certos momentos, "o melhor é o silêncio", referindo-se a críticas públicas dos EUA em relação a Cuba, Venezuela e Bolívia.

Sobel, em telegrama ao Departamento de Estado, afirmou que "Garcia não é amigo dos EUA ou da política externa americana", mas que adotara "o enfoque pragmático de Lula em política externa". Por sua vez, o próprio Garcia se definiu ao embaixador de forma bem humorada: "Eu não sou um diplomata, mas apenas um velho esquerdista que foi colocado ao lado do presidente".