Título: Outro patamar no combate às drogas
Autor:
Fonte: O Globo, 28/01/2011, Opinião, p. 6

A Comissão Global sobre Drogas, que se reuniu esta semana em Genebra sob a coordenação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é um claro indicativo da importância que países vêm dando à luta mundial contra o aumento do consumo de entorpecentes. A entidade junta outras personalidades internacionais de grande bagagem política, como a ex-presidente da Suíça Ruth Dreifuss, o ex-secretário do Tesouro dos EUA George Schultz e o ex-secretário-geral da Otan Javier Solana.

A exemplo do que já fizera a similar Comissão Latino-Americana, igualmente com a participação do ex-presidente brasileiro, e de ex-mandatários de países do continente mais atingidos pelo flagelo das drogas distribuídas pelo crime organizado, a Comissão Global adotou uma posição polêmica, mas que se desenha cada vez mais como consistente, em favor da descriminalização do usuário da maconha e outras drogas leves. O entendimento é de que se trata do caminho mais indicado para combater o tráfico de drogas e, como decorrência, a violência e os agravos à segurança pública nos grandes centros urbanos.

A descriminalização do uso da maconha é um passo na política de combate às drogas distinto dos dados até poucos anos atrás por praticamente todos os países, sob inspiração da filosofia americana de enfrentar consumo e tráfico sob o mesmo tacão policial-militar (que deve ser acionado apenas contra o tráfico). O crescimento do comércio de entorpecentes no mundo, impulsionado por um modo de produção que barateia substâncias como cocaína e crack, além da própria maconha, e o aumento do número de viciados são evidências fortes da falência de uma maneira arcaica de lidar com o problema.

A outra face dessa política pode ser conferida em países (como Portugal) que adotaram programas de descriminalização associada a ações de redução de danos, centradas no tratamento de dependentes. Nestas nações, o consumo de drogas despencou, bem como os gastos públicos com atendimento a viciados.

No Brasil, a política de combate às drogas ainda se alterna entre ações mais avançadas (como a recente adaptação da legislação sobre drogas a uma visão distinta entre traficante e usuário) e movimentos de viés especificamente policial - o que é compreensível, uma vez que o comércio dessas substâncias, mantido na ilegalidade, é comandado por quadrilhas que recorrem a todo tipo de violência para preservar seus feudos. O erro está na criminalização do usuário. É de se esperar que as orientações expedidas esta semana pela Comissão Global tenham reflexos positivos (com a opção por uma visão contemporânea do problema) nos gabinetes de onde emanam as diretrizes sobre a questão dos entorpecentes no país.

Por fim, é de se desejar que o recente episódio da demissão do titular da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas esteja mesmo circunscrito a questões de quebra de hierarquia. Será um indesejável retrocesso se o afastamento de Pedro Abramovay tiver sinalizado um recuo da posição brasileira sobre o tema, para abraçar a postura reacionária do combate exclusivamente policial-militar da droga.