Título: Bancos forçam queda do dólar
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 28/07/2009, Economia, p. 14

Instituições jogam pesado para tentar derrubar a cotação da moeda americana e, assim, lucrar com contratos que podem ser lançados pelo BC

Os bancos estão jogando pesado para forçar a queda dos preços do dólar ante o real e obrigar o Banco Central a voltar com seus leilões de swaps reversos, contratos que funcionam como uma espécie de compra futura da moeda americana. Se ceder às pressões, mas, mesmo assim, o dólar continuar caindo, o BC estará garantindo um bom lucro às instituições, pois terá de pagar a elas o diferencial da taxa básica de juros (Selic) no período de vigência dos swaps. Até agora, o BC tem resistido ¿ o último leilão foi em 5 de maio.

A munição usada pelos bancos é pesada. Somente no mercado futuro de câmbio, a aposta contra a moeda americana em favor de um real mais forte chegava ontem a US$ 4,4 bilhões, por meio de 87.812 contratos de venda na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F). As instituições ainda estão vendidas em US$ 1,3 bilhão no mercado à vista. Ou seja, somadas as operações nos dois mercados (futuro e à vista) os bancos venderam US$ 5,7 bilhões sem terem esse volume de dinheiro em carteira, apostando que, mais à frente, não só vão comprar dólar mais barato como vão lucrar com os juros pagos pelo BC.

É essa aposta contra o dólar que está, segundo os especialistas, empurrando as cotações da divisa ladeira abaixo. ¿O dólar está caindo no mundo todo, mas, no Brasil, essa queda é mais acentuada¿, disse a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. No seu entender, se prevalecessem apenas os fatores normais de mercado, a moeda americana poderia até ter caído nos últimos dias, mas não tanto como se está vendo.

Como fatores normais de mercado, Zeina citou a posição vendida dos bancos no mercado à vista (US$ 1,3 bilhão) e o fluxo cambial negativo de US$ 118 milhões no mês até o dia 23. Isso, em princípio, não quer dizer falta de dólares, até porque o BC comprou quase US$ 500 milhões desde o início do mês. Mas também não se pode falar em oferta excessiva, a ponto de justificar o fechamento de ontem da moeda americana, de R$ 1,875 para venda, com baixa de 1,16%. Trata-se da menor cotação em 10 meses.

Mais distorções

Para o analista Mário Paiva, da Corretora Liquidez, o ideal neste momento é que o BC se mantenha fora do mercado de swaps reversos para evitar mais distorções. ¿Tudo indica que os preços do dólar vão continuar caindo. Mas o BC deve deixar o mercado encontrar, sozinho, o ponto de equilíbrio. Neste mês, por exemplo, a volatilidade do dólar (nível de oscilação dos preços) caiu de 25% para 14%. Isso é um bom sinal¿, destacou.

Na avaliação do economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu Filho, mais do que as apostas dos bancos no mercado futuro, o que está derrubando as cotações do dólar é a recuperação dos preços das commodities (matérias-primas com cotação internacional). ¿Se as commodities estão em alta, o dólar cai. E vice-versa¿, acrescentou.

Por isso, neste ano, os três países com as moedas mais valorizadas em relação à divisa americana são produtores de matérias-primas: Brasil, África do Sul e Chile. O real, segundo Thadeu, acumula alta de 23%. A divisa sul-africana, o rande, subiu 22%, e o peso chileno, 17,7%.

O dólar está caindo no mundo todo, mas, no Brasil, essa queda é mais acentuada¿

Zeina Latif, economista-chefe do Banco ING

Viagens ao exterior

Com o dólar em baixa, a renda crescente e o emprego garantindo, os brasileiros estão voltando com tudo a viajar para o exterior. Em junho, segundo o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, a conta viagem registrou déficit de US$ 584 milhões, saldo muito próximo aos US$ 621 milhões computados no mesmo mês de 2008, quando a crise mundial ainda era apenas uma ameaça. ¿A expectativa é de que o déficit com viagens se acelere, pois o mercado de trabalho e a renda se mantêm firmes e o câmbio, favorável¿, disse. Em julho, até ontem, as despesas de brasileiros no exterior superavam em US$ 493 milhões as receitas com turistas estrangeiros no país.

Apesar do saldo negativo maior na conta viagem, o economista do BC garantiu que as contas externas se manterão tranquilas até o fim do ano. No primeiro semestre, as transações correntes, que contabilizam as operações de comércio, os gastos com serviços e as transferências de renda para o exterior, registraram rombo de US$ 7 bilhões, quantia 58% menor do que a do mesmo período de 2008. Em junho, especificamente, o déficit ficou em US$ 535 milhões, contrariando as expectativas do mercado, que estimava um superávit de US$ 500 milhões.

A divergência ocorreu porque duas empresas decidiram enviar parte de seus lucros (US$ 800 milhões) aos detentores de ações (American Depositary Receipts ¿ ADRs) negociadas na Bolsa de Nova York. Com isso, o envio de lucros e dividendos, que vinha ficando abaixo de US$ 2 bilhões mensais, superou os US$ 3 bilhões no mês passado. ¿Em julho, já vemos a acomodação das remessas. Até ontem, totalizavam US$ 1,1 bilhão¿, disse Altamir.

Ele ainda chamou a atenção para o fato de os investimentos estrangeiros diretos (IED) terem fechado os primeiros seis meses do ano em US$ 12,7 bilhões (queda de 24% ante o primeiro semestre de 2008), apesar de todo o estrago provocado pela crise mundial. ¿A tendência é de que o Brasil amplie a sua fatia na absorção desses recursos¿, frisou (VN)