Título: Ameaça que vem da água
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto; Daflon, Rogério
Fonte: O Globo, 28/01/2011, Rio, p. 16

Especialistas veem surto de leptospirose em Friburgo, que tem 5 casos confirmados e 41 suspeitos

Depois de 841 mortes em deslizamentos na serra, o problema agora são as doenças. Nova Friburgo já contava, até o início da tarde de ontem, com 46 casos de diagnósticos clínicos de suspeita de leptspirose este ano, dos quais 44 identificados após os temporais que atingiram a cidade. Embora apenas cinco casos já tenham sido confirmados, três deles posteriores à enxurrada, especialistas dizem que é possivel afirmar que a cidade enfrenta um surto da doença, trasmitida pela urina do rato na água das enchentes. É o que pensa, por exemplo, o infectologista Edmilson Migowisky, do Hospital Clementino Fraga Filho, da UFRJ:

- A confirmação de casos anteriores por exames laboratoriais indica que existe um vínculo forte desses casos com aqueles em que o diagnóstico foi apenas clínico. Eu consideraria que há, de fato, um surto na cidade, já que, como outros pacientes, eles (os ainda não confirmados) tiveram contato com água de chuvas e lama.

O possível surto de leptospirose coincide com pedidos de demissão de dezenas de médicos da rede pública, especialmente clínicos e pediatras.

- Muitos médicos que moram em cidades como Bom Jardim, Duas Barras e até Campos reclamam do tempo que estão levando para chegar à cidade. Pelas ausências nos plantões, o número de demissões pode chegar a 20 - disse a secretária municipal de Saúde, Jamila Calil Salim Ribeiro.

Unidades foram desativadas

Na segunda-feira, também foram desmobilizados os hospitais de campanha montados pela Marinha e pela Secretaria estadual de Saúde para atender às vítimas das enchentes. Segundo Jamila, os hospitais de campanha foram desativados porque já não era mais necessário o atendimento emergencial às vítimas da enxurrada. Na quarta-feira, o Hospital Municipal Raul Sertán e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) atenderam a 19 crianças com diarreia que estavam em um abrigo. Como os sintomas apareceram depois do almoço, a suspeita é que a comida estivesse estragada.

No fim da tarde de ontem, Jamila Calil disse que não poderia confirmar um surto de leptospirose em Friburgo, pois os casos precisam ser atestados pelos exames processados na capital pelo Laboratório Central de Saúde do Estado (Lacen), o que pode levar até quatro dias. Pela manhã, porém, ela afirmara ser possível classificar a situação como surto da doença.

Dos pacientes com diagnóstico clínicos, sete estão internados. Um deles é o aprendiz de mecânico Arivelton Juvêncio Rafael da Silva, internado no Hospital Municipal Raul Sertan.

- Procurei a UPA com fortes dores no peito, febre e vômito. Os médicos decidiram me internar. Logo depois do temporal, meu patrão pediu que limpasse a oficina que ficou coberta de lama - disse Arivelton.

O superintendente de Vigilância Ambiental e Epidemiológica da Secretaria estadual de Saúde, Alexandre Chieppe, afirmou que, até o momento, não há como afirmar que exista um surto de leptospirose na Região Serrana. Embora não descarte tal possibilidade, Chieppe ponderou que é comum haver muitas notificações de sintomas da doença em casos de inundação. Mas, acrescentou ele, é possível que muitas dessas notificações não se confirmem:

- Numa tragédia assim, o ideal é que muitas pessoas, mesmo, sejam notificadas. Mas, por enquanto, pode-se dizer que, surpreendentemente, o número de casos é pequeno. É claro que isso pode se modificar - disse Chieppe, ressaltando que não existe vacina contra a doença.

Segundo Chieppe, os coordenadores dos abrigos têm respondido questionários sobre pessoas com sintomas da doença. Além disso, é feito o monitoramento da qualidade da água consumida. Na região, há 60 técnicos da Subsecretaria de Vigilância em Saúde.