Título: De crise em crise, Argentina se enfraquece
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Fonte: O Globo, 30/01/2011, Opinião, p. 6

Acumulam-se indícios de decadência da Argentina. O país sofre de fragilidade político-institucional crônica, agravada nos governos Kirchner, e perde posições, mercados e oportunidades que poderiam proporcionar aos argentinos situação muito mais confortável.

Um desses indícios vem do Fórum Internacional de Davos, na Suíça. Num debate sobre a América Latina, houve consenso de que a região atravessa um ótimo momento. Vários países foram citados, mas ninguém se referiu, para o bem ou para o mal, à Argentina. Além disso, Buenos Aires passa pelo constrangimento de não ter sido incluída no roteiro do presidente dos EUA, Barack Obama, que viaja à região em março. Ele irá a Brasília, Santiago e São Salvador, na América Central.

Outro constrangimento foi a ameaça de sanções por parte do FMI, em função da manipulação dos índices de inflação. As sanções começam com a perda do direito de voto e podem culminar na expulsão do país. De fato, a manipulação de dados é uma das mais graves práticas dos governos Kirchner. O Indec (o IBGE argentino) sofreu intervenção ainda no mandato de Néstor. Há dias, o órgão informou que a inflação argentina em 2010 foi de 10,9%, quando se sabe que não foi menor do que 25%. Foi preciso a intercessão do Brasil para evitar que piorassem as relações entre o Fundo e a Argentina, que desde 2006 não permite que a instituição faça a auditoria anual de suas contas. A solução - terrível politicamente para Cristina Kirchner - foi aceitar a visita de missões do FMI para "ensinar" como calcular a inflação. Uma punição do FMI seria um desastre no momento em que o governo negocia com o Clube de Paris uma dívida de US$6,7 bilhões. E missões do Fundo, organismo exorcizado pelo ex-presidente Kirchner, são indigestas para Cristina em plena campanha para as eleições presidenciais de outubro.

Com o preço das commodities nas alturas, o PIB da Argentina tem crescido de forma consistente. Mas poderia ser muito melhor se Cristina não vivesse às turras com o setor rural, na tentativa de aumentar a receita do governo com as exportações de grãos. Greve de uma semana dos produtores foi encerrada na segunda-feira, mas ainda prossegue a paralisação no porto de Rosário, um dos principais terminais de exportação de grãos.

A reação do governo argentino a tantas notícias ruins é aumentar desmedidamente a sua máquina de propaganda e beneficiar de forma descarada os meios de comunicação que o apoiam. Em contrapartida, veículos independentes sofrem toda a sorte de atropelos. Quinta-feira à noite, integrantes do sindicato de caminhoneiros bloquearam mais uma vez a distribuição dos diários "Clarín" e "La Nación", considerados inimigos pelo governo. Mais um atentado à liberdade de expressão.

Mas age acertadamente o governo brasileiro quando privilegia as relações com a Argentina, principal sócio do Brasil no Mercosul. Dilma Rousseff estará amanhã em Buenos Aires, em sua primeira viagem internacional desde que assumiu, para contatos com Cristina Kirchner. É razoável pensar que, com os recursos de que dispõe, o país vizinho possa, a médio prazo, fortalecer suas instituições e voltar ao lugar que merece na América Latina e no mundo. O Brasil deve estimulá-lo.