Título: No 1º mês de Dilma, discrição e cobrança
Autor: Damé, Luiza ; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 30/01/2011, O País, p. 12

Diferentemente de Lula, presidente evita aparições públicas e não adia demissões; mas protelou decisões importantes

A visita oficial de algumas horas à Argentina, para uma reunião de trabalho com a colega Cristina Kirchner, encerrará o primeiro mês de governo da presidente Dilma Rousseff. Nestes primeiros 30 dias, Dilma ficou mais reclusa no Palácio do Planalto, organizando o governo, e deverá manter essa estratégia durante fevereiro. O presidente falastrão, que muitas vezes resolvia os problemas na base do carisma pessoal, deu lugar a uma presidente com estilo de gerente cobradora de prazos e resultados.

Apesar das ordens explícitas da presidente para que as divergências fossem resolvidas internamente, os ministros bateram cabeça sobre assuntos como o salário mínimo, os cortes no Orçamento e a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física. Dilma não aceitou escorregões de seus auxiliares, fez cobranças e pediu cabeças, mas protelou decisões importantes que ficaram pendentes do governo Lula.

Escolha de novo ministro do STF também protelada

Apesar das cobranças da área jurídica, até agora a presidente não indicou o 11º ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja vaga está aberta desde agosto do ano passado, com a aposentadoria de Eros Grau. Depois de eleita, Dilma acertou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o novo ministro do Supremo seria escolhido por ela. Dilma também adiou a decisão sobre a compra dos caças para equipar a Força Aérea Brasileira (FAB), um tema que se arrasta desde o governo Fernando Henrique Cardoso.

Em seu primeiro ano de governo, Lula também suspendeu a compra, transferiu os recursos para o programa Fome Zero e só reabriu as negociações dos caças em 2008. Dilma decidiu que vai rever o processo.

Ao contrário de Lula, que muitas vezes deixava polêmicas se arrastando no governo sem intervir, Dilma prefere cortar o mal pela raiz. Na primeira semana de governo, a presidente chamou para um conversa o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, que dissera que a ditadura militar e os desaparecidos deveriam ser vistos como fatos da História brasileira. Torturada na ditadura militar, Dilma deixou claro para o ministro que essa não era a posição de seu governo.

Dilma cancelou as férias do ministro da Educação, Fernando Haddad, durante a confusão nas inscrições do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que classifica estudantes para as universidades federais. O sistema criado para receber as inscrições não suportou os acessos e caiu, prejudicando os alunos. O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Joaquim Soares Neto, foi demitido e substituído por Malvina Tânia Tuttman.

A presidente também exigiu a demissão do advogado Pedro Abramovay da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). Isso depois de Abramovay ter defendido penas alternativas para pequenos traficantes, o que contraria a política de combate às drogas do governo Dilma.

Segundo o vice-presidente Michel Temer, em vez de audiências externas, a presidente está se reunindo com a sua equipe para ajustar os principais programas federais em andamento e planejar os que serão lançados, como o combate à extrema pobreza:

- Acho que ela será popular porque dará continuidade a tudo o que já foi feito no país e poderá melhorar o quadro do país. O governo poderá melhorar ainda mais o país e, nesse sentido, ela terá muita popularidade. Não como o presidente Lula, que era mais pessoal. Mas a popularidade governamental ela poderá ter a mesma - afirmou Temer.

A ordem de Dilma é clara: divergências entre ministros deveriam ser resolvidas no governo. Numa primeira instância, com o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. E, em última instância, no gabinete presidencial, no terceiro andar do Planalto. Mesmo assim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entrou em contradição com os colegas Carlos Lupi (Trabalho) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral) a respeito do valor do salário mínimo e da correção da tabela do Imposto de Renda, dois pleitos das centrais sindicais.

A própria Dilma veio a público desautorizar a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que admitiu cortes no orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Objetiva, na primeira reunião ministerial Dilma dividiu sua equipe em quatro grupos, que terão encontros permanentes e lhe prestarão contas. A presidente quer imprimir a todo o governo o modelo de gestão e monitoramento do PAC (que ela coordenou no governo Lula), fazendo balanços periódicos e conferindo selos verdes, amarelos e vermelhos, conforme o andamento das obras.

Decisão rápida de ir à Região Serrana

Enquanto Lula se desdobrava entre vários compromissos públicos, Dilma tem se concentrado no planejamento do governo, reunindo-se com todos os ministros individualmente para avaliar a situação de cada pasta, os principais programas e os problemas de cada um. Fez poucas aparições públicas e chegou a cancelar o primeiro grande evento de seu governo: a inauguração da terceira etapa da usina termelétrica de Candiota, no Rio Grande do Sul, o maior empreendimento do PAC na Região Sul.

- Dilma sabe que não é Lula e não quer ser Lula - afirmou um ministro.

Dilma é mais pontual e objetiva que Lula. Ele gostava de conversas mais relaxadas, falava de futebol ou contava uma piada para descontrair o ambiente. O ex-presidente era também mais flexível na sua agenda, permitindo visitas não programadas de companheiros ao seu gabinete.

Petistas que tinham acesso livre ao Planalto começam a perceber a mudança: Dilma só recebe quem marcou audiência. Ao mesmo tempo, ela já demonstrou que deve agir prontamente quando o caso exige. Foi assim com a tragédia na Região Serrana do Rio. No mesmo dia, Dilma falou com o governador Sérgio Cabral, mobilizou o governo federal e mandou ministros para a área. No dia seguinte, foi à região e anunciou medidas de socorro às vítimas e de reconstrução das cidades. Lula demorava mais para se fazer presente nessas ocasiões.