Título: Brasil investe em vitrine para projeção global
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 28/07/2009, Mundo, p. 21

Com intervalo de uma semana, chanceleres de Israel e do Egito visitam país e sugerem maior envolvimento no processo de paz

O Oriente Médio nunca esteve tão próximo do Brasil quanto agora. Após a visita do chanceler de Israel, Avigdor Lieberman, e às vésperas de receber o ministro das Relações Exteriores do Egito, Aboul Gheit, o país se vê cada vez mais inserido no diálogo sobre o processo de paz entre israelenses e palestinos, além de outros temas espinhosos. O ministro Celso Amorim, que esteve na região em janeiro passado, ouve pedidos de distintas partes e oferece ajuda nas negociações ¿ papel que o Itamaraty considera ter ressonância internacional. Para especialistas, no entanto, a possibilidade de ação da diplomacia brasileira estará sempre à margem do eixo principal, formado por Estados Unidos e Europa.

O interesse ficou mais evidente no governo Lula, que, desde o início, tem buscado aproximação com os países árabes, em especial o governo palestino. (1)O convite para participar da Conferência de Annapolis ¿ que discutiu, em novembro de 2007, meios de retomar o processo de paz ¿ foi a primeira demonstração real de que a diplomacia brasileira poderia ter mais voz. Mas na opinião do diplomata Rubens Barbosa, embaixador nos Estados Unidos e no Reino Unido durante o governo Fernando Henrique Cardoso, nosso ¿poder de influir¿ está limitado à decisão do grupo que se reuniu em Annapolis.

¿O Brasil, apesar de ter agora uma posição mais visível, ainda não tem cacife para entrar nesse jogo. Ele pode cooperar no contexto do grupo de Annapolis, para criar condições para que as negociações avancem, mas não acho que possa ser um protagonista¿, afirma Barbosa. Segundo o diplomata, faltam ao país ¿elementos financeiros, políticos e diplomáticos¿ ¿ presentes, por exemplo, nos EUA ¿ para influenciar no processo decisório. ¿Isso (o processo de paz) não se resolve na base do voluntarismo. É uma questão de poder: se os Estados Unidos, que têm mais influência lá, não estão conseguindo resolver, não vejo como o Brasil vai influir¿, argumenta.

O pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Samuel Feldberg, especialista em Oriente Médio, concorda que, apesar da ¿disposição, boa vontade e imagem de uma posição equidistante¿, o país não tem ¿elementos concretos¿ que possam contribuir para um avanço no processo de paz. ¿O papel que o Brasil pode desempenhar é muito marginal, diante do envolvimento mais importante dos EUA e de várias potências europeias¿, destaca Feldberg.

Barganha

Um dos interesses principais do governo brasileiro no processo de paz entre israelenses e palestinos é conquistar, cada vez mais, projeção internacional. A visibilidade seria um impulso importante para a pretensão de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Para o diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri), José Flávio Saraiva, a relação faz sentido, já que o Brasil quer ser visto como mais do que um líder regional. ¿Um ator global não pode ficar restrito a temas apenas da vizinhança, nem ao pragmatismo dos interesses nacionais, mas ficar atento a temas de valor da agenda internacional. Embora em alguns assuntos não se possa falar mais alto, é possível participar do conjunto¿, pondera Saraiva.

Feldberg, entretanto, considera a barganha ¿equivocada¿, e o envolvimento do Brasil no processo de paz, um ¿desperdício de cacife diplomático¿. ¿A aceitação ou não do Brasil como membro do Conselho de Segurança não depende dessa `empatia¿ que o país possa gerar.¿

1 - COOPERAÇÃO IMEDIATA Enquanto não consegue atuar de forma mais efetiva no processo diplomático, o Brasil se esforça para melhorar as condições de vida dos palestinos. Nos últimos anos, o governo contribuiu de três formas diferentes ¿ por meio da Conferência da Países Doadores, do Fundo Ibas (formado por Índia, Brasil e África do Sul) e de acordos bilaterais com a Autoridade Palestina. Na primeira, o Brasil doou US$ 10 milhões para projetos como a expansão do hospital de Yatta (Cisjordânia) e a construção de quatro escolas. Pelo Fundo Ibas, será erguido um complexo poliesportivo de US$ 1 milhão em Ramallah. Os acordos bilaterais envolvem programas nas áreas eleitoral, e de saúde, educação, esporte e cultura.