Título: TELEGRAMAS MOSTRAM A DELICADA RELAÇÃO ENTRE AMERICANOS E SEU ALIADO ÁRABE
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 29/01/2011, O Mundo, p. 33

Diplomatas fizeram cobranças, mas presidente suavizou discurso com Mubarak

MANIFESTANTES ATACAM carro da polícia no Cairo: telegramas explicitam como o Egito é importante para os EUA

WASHINGTON. No primeiro encontro da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, com o presidente Hosni Mubarak, em março de 2009, os egípcios fizeram um pedido estranho: ela não deveria agradecer a Mubarak por ter libertado da prisão um líder da oposição que se encontrava doente.

Na verdade, um telegrama assinado pela embaixadora americana no Egito, Margaret Scobey, aconselhava Hillary a sequer mencionar o nome do sujeito, Ayman Nour, embora a sua prisão, em 2005, tenha sido condenada no mundo todo, inclusive pelo governo Bush.

O telegrama está entre uma série de documentos confidenciais que vieram à tona pelo grupo WikiLeaks e apresentam um quadro vívido da delicada relação entre os Estados Unidos e o Egito, um dos seus mais fieis aliados árabes. Eles revelam em detalhes como os diplomatas, repetidamente, abordaram com autoridades egípcias sua preocupação com dissidentes presos e blogueiros. Mostra ainda que mantinham relatórios atualizados de denúncias de tortura pela polícia.

Mas eles também revelam que as relações com Mubarak se tornaram mais próximas com a decisão de Obama de amenizar o discurso mais agressivo adotado por seu antecessor. Um documento preparado para a visita do general David Petraeus, em 2009, sustentava que os EUA, embora continuassem afiados em encontros particulares, evitariam ¿os confrontos públicos que haviam se tornado rotina nos últimos anos¿.

Diante das manifestações, Casa Branca eleva o tom

O delicado equilíbrio entre pressão em particular e apoio em público a Mubarak está se tornando cada vez mais tênue nos últimos dias. Multidões de egípcios furiosos tomaram as ruas, e a Casa Branca, temendo ser identificada com um regime abusivo, desafiou publicamente o presidente.

Na quinta-feira, Obama elogiou Mubarak como parceiro, mas disse que ele precisava adotar reformas políticas e econômicas. Obama afirmou, ainda, que nem a polícia nem os manifestantes deveriam apelar para a violência. ¿É muito importante¿, ele acrescentou, ¿que as pessoas tenham mecanismos de expressar legítimas reclamações.¿

Os telegramas vazados, que cobrem o primeiro ano do governo de Obama, deixam poucas dúvidas sobre a importância de Mubarak como aliado, revelando como ele apoiou os EUA em seu confronto com o Irã, exerceu o papel de mediador entre o governo de israel e palestinos, além de apoiar o inexperiente governo do Iraque.

Em particular, a embaixadora Scobey pressionou o governo pela libertação de três blogueiros, entre outros perseguidos pelo regime. Os diplomatas mantinham uma ampla rede para reunir informações sobre a brutalidade policial, revelam os telegramas. A embaixada acompanhou diversos casos e chegou a levar suas preocupações ao Ministério do Interior. Entre eles, o tratamento dispensado a um grupo do Hezbollah, detido em 2008. De maneira geral, segundo os telegramas, Mubarak vê reformas como um convite ao extremismo.