Título: CENSURA GENERALIZADA
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 29/01/2011, O Mundo, p. 33

Egípcios tentam driblar corte nas comunicações

MANIFESTANTE É atendido por médicos após ter ficado ferido em confronto com a polícia no Cairo

Na madrugada de quinta para sexta-feira, enquanto o Exército colocava as tropas nas ruas, uma manobra do governo do ditador Hosni Mubarak em outra frente foi capaz de surpreender até os próprios egípcios, já escolados em questões de censura: um bloqueio quase total do acesso à internet e à telefonia celular. Levantando a bandeira do combate ao terrorismo, o governo egípcio exerce um estreito controle sobre a internet. Desde 2007, o Ministério Interior tem até um departamento especial só para isso.

Mas desde terça-feira, quando milhares de pessoas passaram a tomar as ruas para pedir mudanças políticas no país, a coisa cresceu. Primeiro foram cortes esporádicos em redes sociais como Facebook e Twitter, e depois nos serviços de SMS ¿ três das principais ferramentas que ajudaram a alimentar os protestos.

Para continuar usando Facebook e Twitter, muitos dos mais de 16 milhões de internautas do Egito recorreram ao longo da semana ao Proxy, um servidor muito usado na China para burlar a censura. A ferramenta permite aos usuários navegar anonimamente e funciona como um intermediário para os que querem usar recursos on-line de outros servidores. Nesta sexta-feira, no entanto, a situação ficou mais complicada. Com quase 90% da internet no país derrubada, muitos chegaram a retirar as senhas de seu serviço sem fio para que outros pudessem aproveitar uma eventual brecha na censura e ter acesso à rede.

¿ Eles derrubaram tudo, a rede de telefonia celular e a internet. Desde que acordei, pela manhã, está assim. Não tenho acesso à internet nem no celular, nem no computador. É generalizado, pelo menos no Cairo. Tive dificuldade de falar com meus parentes ¿ contou ao GLOBO Hazem Choucri, operador da bolsa de valores, no fim da noite, na primeira ligação que disse ter conseguido receber no dia.

Mas os esforços pareceram em vão. Além do controle exaustivo sobre internautas ¿ que inclui vigilância contínua sobre trocas de informação no Facebook ¿ o governo egípcio tem nas mãos todos os principais provedores de internet e telefonia celular do país e os derruba quando bem entende.

¿Todas as operadoras móveis do Egito foram instruídas a suspender os serviços em determinadas áreas. De acordo com a legislação egípcia, as autoridades têm o direito de emitir essa ordem e as empresas são obrigadas a cumpri-la¿, explicou a Vodafone, maior operadora de telefonia móvel do mundo, em comunicado.

Além de cortar o acesso às principais fontes de organização das manifestações, a censura do governo é vista como uma tentativa de evitar a propagação de notícias sobre os mais sérios protestos vividos pelo país nos 30 anos de poder de Mubarak. A medida, no entanto, recai mais sobre os próprios egípcios, que não dispõem, como muitos correspondentes e TVs internacionais, de um telefone e uma conexão por satélite para burlar as restrições.