Título: Tensa reação nos vizinhos
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 29/01/2011, O Mundo, p. 33
MANIFESTANTES TOMAM as ruas de Amã e pedem troca de governo: desemprego e inflação dominam o país
Na Jordânia, novos protestos por reformas
AMÃ.Pela terceira sexta-feira consecutiva, milhares de opositores ao primeiro-ministro da Jordânia, Samir Rifai, tomaram as ruas da capital, Amã, e de outras cidades do país, inspirados na onda de manifestações que atinge o mundo árabe. Como em outros países, jordanianos exigem o fim do desemprego, da inflação e do aumento dos preços de alimentos básicos.
Ao todo, mais de seis mil manifestantes participaram dos protestos de ontem, mesmo após o rei Abdullah II prometer que realizará reformas, especialmente na controversa lei eleitoral jordaniana. A oposição alega que o monarca não vai conseguir apoio interno para fazer tais mudanças, e exige que seja convocada uma eleição democrática para premier e membros do Gabinete, postos tradicionalmente indicados pelo rei.
¿Rifai saia, os preços estão pegando fogo e os jordanianos, também¿, gritavam manifestantes, convocados pela Frente de Ação Islâmica, braço político da Irmandade Muçulmana e maior partido opositor.
Uma multidão se reuniu em frente à mesquita al-Husseini, em Amã. Como numa procissão, pessoas tomaram as ruas do centro da capital. ¿Em nome de Deus, o governo deve mudar¿, entoavam alguns. ¿O Alcorão é a nossa Constituição, a jihad é o nosso caminho¿, diziam.
A Jordânia enfrenta um déficit econômico de US$2 bilhões este ano. A inflação subiu de 1,5% para 6,1% em um mês. A oposição acusa o premier de adotar medidas custosas à população.
Arábia Saudita: manifestantes presos
JEDDAH, Arábia Saudita. Maior aliado árabe dos EUA, a Arábia Saudita também foi alvo de distúrbios. Autoridades prenderam ontem dezenas de manifestantes em Jeddah que protestavam contra a infraestrutura precária após enchentes devastarem a segunda maior cidade do país. Mesmo com as ruas inundadas, sauditas se reuniram após serem convocados por mensagens enviadas via Blackberry.
Manifestantes se aglomeraram por apenas 15 minutos na principal avenida de Jeddah, gritando ¿Deus é grande¿. Segundo testemunhas, forças de segurança chegaram pouco tempo depois e prenderam cerca de 50 pessoas.
¿ Levaram todas as pessoas que estavam protestando. Ainda há algumas escondidas em prédios. Os policiais estão procurando ¿ confirmou uma autoridade.
Uma mensagem coletiva enviada na quinta-feira por Blackberry Messenger (aplicativo do smartphone) convocava residentes de Jeddah para uma manifestação contra a infraestrutura da cidade. O evento, no entanto, estava marcado para amanhã.
Acampamento é destruído na Tunísia
TÚNIS. Enquanto islamistas marchavam ontem pelas ruas do centro de Túnis, forças tunisianas usavam bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes que acampavam pelo quinto dia consecutivo em frente ao gabinete do primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi. Militares destruíram barracas montadas por opositores, que exigem a renúncia do premier.
Desde dezembro a Tunísia vem sendo palco de uma série de protestos que já provocou a queda do ditador Zine al-Abidine Ben Ali. O primeiro objetivo já foi cumprido, mas tunisianos continuam nas ruas contra a formação do novo governo.
O confronto de ontem ocorreu após manifestantes lançarem pedras contra os policiais. O acampamento bloqueava o acesso à sede do governo, o que impedia as negociações.
¿ É como se eles fossem um segundo Ben Ali ¿ disse o manifestante Marwan. ¿ O Exército se aliou ao governo contra o povo.
Ghannouchi afirmou que vai substituir 12 ministros do governo de transição, afastando membros ligados ao governo do ex-ditador. Manifestantes acampados em frente ao gabinete do premier dizem que não deixarão o local até que Ghannouchi renuncie ao cargo.
¿ Não sairemos daqui até que ele deixe o cargo e nos dê um governo novo em folha ¿ concluiu um estudante.
Marrocos renova medidas para evitar levante
RABAT. Apesar de o Marrocos, até agora, ser o país da região menos afetado pela onda de manifestações, autoridades marroquinas já começaram a tomar medidas preventivas para evitar uma possível explosão social.
¿ Atravessamos uma área de turbulência muito dolorosa da economia e das finanças, mas estamos determinados a fazer todo o necessário para preservar o poder aquisitivo dos cidadãos ¿ prometeu, no início desta semana, Khalid Naciri, porta-voz do governo marroquino.
O Marrocos tem uma grande tradição de revoltas, como a do pão, em 1981, que deixou 66 mortos em Casablanca. Embora o governo negue que as recentes medidas tenham como objetivo evitar os distúrbios no país, autoridades anunciaram que os produtos considerados de primeira necessidade ¿ não só açúcar, azeite e trigo, mas também combustíveis ¿ permanecerão subsidiados pelo Fundo de Compensação. A ideia é evitar que o aumento dos preços pese sobre o consumidor.
¿ As coisas devem ficar claras: o governo marroquino não atua em função do que aconteceu em outros países ¿ afirmou Naciri.
Para melhorar a verba do Fundo de Compensação sem aumentar o déficit orçamentário ¿ as finanças marroquinas atravessaram um momento delicado entre janeiro e setembro do ano passado ¿ o governo reduziu em 10% os custos operacionais e investimentos. Além disso, Rabat também lançou uma licitação para a compra de 225 mil toneladas de cerais, 154 mil de trigo e 100 mil de cevada.
Irã: para aiatolá, revolução se repete
TEERÃ. A queda do ex-ditador tunisiano, Zine al-Abidine Ben Ali, e os protestos que se espalham por outros países são uma demonstração de que a revolução islâmica do Irã está sendo repetida, disse ontem o aiatolá Ahmad Khatami. Até agora, no entanto, as manifestações não assumiram caráter religioso nos países que registram protestos.
¿ Um Oriente Médio islâmico está tomando forma ¿ disse Khatami, ontem. ¿ Um novo Oriente Médio está emergindo com base no Islã, baseado na democracia religiosa.
O aiatolá afirmou que o ex-presidente da Tunísia copiou as políticas de xás iranianos que comandaram o país até a Revolução e teve um destino semelhante ao deles. A TV estatal iraniana tem veiculado uma extensa cobertura dos protestos em países árabes.
¿ Isso é tradição de Deus: aqueles que enfrentam a religião estão fadados ao fracasso.
Síria tira internet do ar; governo nega
DAMASCO. Nos últimos três dias, a internet da Síria também foi afetada. Apesar de opositores afirmarem que o governo vem dificultando a comunicação nas redes sociais, uma fonte oficial negou as acusações.