Título: Receita extra de R$37 bi infla superávit em 2 anos
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 02/02/2011, Economia, p. 23

Não foram só a capitalização da Petrobras e a antecipação de dividendos da Eletrobras que deram fôlego ao setor público para fechar as contas em 2009 e 2010. No último biênio, as receitas decorrentes de programas de refinanciamento de dívidas (Refis da crise) e de depósitos judiciais de tributos e contribuições, que estavam na Caixa Econômica Federal e foram transferidos ao Tesouro Nacional, permitiram arrecadação extra de R$37,2 bilhões ao governo central. O montante é superior ao que foi obtido com as manobras da Petrobras (a operação de capitalização que passou pelo BNDES e gerou caixa para o governo) e da antecipação dos dividendos da Eletrobras no mesmo período, que somaram R$36,8 bilhões.

Para reforçar as receitas, afetadas pela crise mundial, o governo editou uma medida provisória (MP) em 2009 que acelerava a transferência de depósitos judiciais antigos feitos por contribuintes na Caixa Econômica Federal. Esses depósitos são feitos por quem questiona o pagamento de algum tributo até que haja uma decisão judicial.

Até 1998, eles ficavam na Caixa e eram repassados gradualmente para o Tesouro. Hoje, os valores são repassados diretamente à chamada conta única e ajudam a reforçar a arrecadação federal.

Governo evita ajuste fiscal, alerta analista

Os depósitos foram especialmente importantes para a equipe econômica em dezembro de 2010, quando R$4 bilhões relativos ao pagamento de PIS/Cofins entraram no caixa, elevando significativamente a economia para pagamento de juros. Isso permitiu que o governo central cumprisse exatamente a meta de 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) fixada para o ano.

Mesmo com o reforço no caixa, o governo não conseguiu cumprir a meta cheia de economia do setor público consolidado (incluindo estatais e governos regionais) no biênio. Em 2009, ela ficou em 2,03% do PIB para uma meta de 2,5%. Já no ano passado, em 2,78% do PIB para uma meta de 3,1%.

"Sempre existe o risco de o governo perder na Justiça"

Segundo o economista da consultoria Tendências Felipe Salto, embora não sejam artifícios fiscais questionáveis - como foi a manobra da Petrobras - medidas como o Refis e os depósitos judiciais têm feito com que o governo se apoie mais no aumento das receitas do que num enxugamento das despesas para fechar suas contas.

Para ele, é importante que, este ano, o governo mostre que mudou essa tendência e faça um ajuste fiscal elevado - segurando R$54,5 bilhões do Orçamento - e mostre onde vai cortar:

- Se vier um corte significativo no Orçamento e ele for crível, o governo vai conseguir mostrar um compromisso verdadeiro com as metas fiscais.

O economista da Tendências destaca ainda que programas de refinanciamento de dívidas sempre foram instrumentos usados pelo governo para reforçar o caixa quando há alguma dificuldade. O problema é que isso acaba incentivando a inadimplência.

O especialista em contas públicas Raul Velloso alerta para o risco de antecipar receitas. Esse é o caso dos depósitos judiciais e também da venda de dividendos futuros da Eletrobras para o BNDES e da capitalização da Petrobras:

- O governo tem trazido cada vez mais incerteza para o primário. Ele está antecipando uma receita de petróleo que ainda não existe. No caso dos depósitos judiciais, sempre existe o risco de o governo perder na Justiça.