Título: Mubarak a Obama: status quo é insustentável
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 02/02/2011, O Mundo, p. 29

A mensagem do presidente dos EUA, Barack Obama, indicando que o ditador Hosni Mubarak deveria desistir da reeleição foi levada ao presidente egípcio por Frank G. Wisner, ex-embaixador no Egito. Obama acompanhou os desdobramentos ontem da Casa Branca, junto com a secretária Hillary Clinton. Numa conversa de meia hora, por telefone com o presidente egípcio, ele admitiu, segundo Obama, que o status quo não é mais sustentável.

A conversa entre os presidentes ocorreu depois o pronunciamento no qual Mubarak anunciou que não concorreria às eleições de setembro. À noite, Obama reforçou publicamente o pedido por uma real transição, que, segundo ele, precisa começar agora.

¿ Mubarak reconhece que o status quo não é sustentável e mudanças devem ocorrer. Uma transição ordenada no Egito deve começar agora e levar a eleições livres e justas. Estou confiante que a população do Egito vai encontrar a resposta para essa crise.

ElBaradei se reúne com embaixadora americana

Os termos da conversa entre o enviado de Obama e o ditador egípcio, na segunda-feira, não foram de ultimato ou de exigência, mas tiveram a forma de ¿conselho firme¿, de que Mubarak deveria abrir caminho para um processo de reforma que culminaria em eleições livres e justas. Wisner, que tem laços de amizade com Mubarak, teria dito ao ditador que os EUA viam seu tempo chegando ao fim e lhe pediam a preparação de uma transição ordeira para a democracia.

O senador democrata John Kerry, candidato à Presidência em 2004 e um expoente do partido em assuntos internacionais, defendeu a transição em artigo publicado no ¿New York Times¿ e em pronunciamento durante o dia no Congresso.

¿O presidente Hosni Mubarak precisa aceitar que a estabilidade de seu país depende de sua disposição de se afastar e liberar o caminho para uma nova estrutura política¿, escreveu Kerry.

O senador disse ainda que Mubarak deveria estabelecer um governo interino ¿tão cedo quanto possível¿ para cuidar da transição. O ex-presidente Jimmy Carter, que teve papel fundamental nas negociações de paz entre o Egito e Israel em 1978, já havia dito que Mubarak ¿terá que sair¿.

Paralelamente, o governo Obama abriu o diálogo com Mohamed ElBaradei, o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que emergiu como líder da oposição egípcia. A embaixadora americana no Cairo, Margaret Scobey, se reuniu com ElBaradei ontem, e expressou o desejo dos EUA de uma transição pacífica, de acordo com o porta-voz do Departamento de Estado, P. J. Crowley.

ElBaradei, prêmio Nobel da Paz em 2005, se opôs à guerra no Iraque, como Obama, que ganhou o prêmio em 2009. Como chefe da AIEA, ElBaradei contestou afirmações do governo Bush de que haveria evidências sobre a fabricação de armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein, minando os argumentos para a invasão em 2003, e tornando-se um dos principais adversários do então presidente George W. Bush.

Oito anos depois, Obama procura se aproximar de ElBaradei e se familiarizar com as opiniões do egípcio sobre temas estratégicos para os interesses americanos ¿ e israelenses ¿ na região. Mubarak tem sido aliado dos EUA e de Israel, por exemplo, na imposição do bloqueio comercial à Faixa de Gaza, administrada pelo grupo islâmico Hamas. ElBaradei já afirmou, em 2010, que considera o bloqueio ¿uma marca de vergonha na testa de todo árabe, de todo egípcio e de todo ser humano¿. O Egito recebeu US$65 bilhões em ajuda nos mais de 30 anos que se passaram desde a assinatura do tratado de paz com Israel. Em 2010, US$1,3 bilhão foi transferido pelos EUA ao Egito para gastos militares, o segundo maior valor, atrás apenas do destinado a Israel.

ElBaradei defende que Israel se torne signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Seus críticos o acusam de ter suavizado relatórios sobre o programa nuclear do Irã, para evitar justificar um possível ataque israelense a instalações nucleares iranianas. Ele deixou o comando da AEIA em 2009, pouco tempo após a posse de Obama, o que poupou os dois de atritos.

Agora, os diplomatas americanos trabalham numa aproximação, dentro das difíceis circunstâncias de estabilidade. O Departamento de Estado determinou a retirada de todo o pessoal não essencial do Egito. O governo americano continuou providenciando voos charter para evacuar turistas americanos e cidadãos do país que se considerem em risco no país.

Em Washington, o poderoso lobby egípcio vem trabalhando para impedir condenações do Congresso americano aos desrespeitos aos direitos humanos do governo Mubarak. Os lobistas têm estado ocupados nos últimos dias tentando acalmar os ânimos dos parlamentares americanos, trabalhando em coordenação com o embaixador egípcio Sameh Shoukry.