Título: A senha: Egypt
Autor: Miranda, Risoletta
Fonte: O Globo, 02/02/2011, Opinião, p. 7

Assim que a população do Egito foi para as ruas enfrentar tanques e gritar contra o toque de recolher, milhares de tweets (comentários feitos no Twitter) contendo a palavra Egypt cruzaram o mundo. Informavam principalmente como sair do bloqueio imposto pelas autoridades locais à web e às duas mais famosas redes sociais do mundo, o Facebook e o Twitter. Ao mesmo tempo em que distribuía informações técnicas para manter a via de comunicação aberta, o mundo conectado lançava protestos contra as atitudes do governo egípcio.

O bloqueio às redes sociais tem sido uma das primeiras atitudes dos governos em estado de crise para conter a saída de informações e evitar protestos globalizados.

Na parte quantitativa não tem dado muito certo: nas últimas 72 horas o volume de mensagens no Twitter já alcançou, no mundo, 40 milhões de pessoas e 541 mil tweets geraram 1 bilhão de mensagens (fonte: tweetreach/@fsbprdigital).

Mas é na qualitativa? O que isso quer dizer? A cada caso desses as redes sociais viram epicentro de um debate existencial. Elas fazem a diferença? Qual é a efetividade e o papel que possuem ¿ protagonistas? ¿ de mudanças comportamentais e sociais?

Os mais radicais ¿ e que professam o apocalipse da mídia tradicional ¿ incensam as redes sociais como a via definitiva da era da comunicação neste século e, como tal, geradoras e produtoras de mobilizações coletivas que seriam, sim, capazes de sustentar e até derrubar governos. Apoiam-se em dados como o meio bilhão de usuários do Facebook e seus milhões de ¿likes¿; nos 329 milhões de posts/dia publicados em blogs; nas 1,6 bilhão de buscas/dia feitas no Google. Mas seu maior argumento é uma visão de futuro: a geração net, que nasceu conectada nas redes, daqui a pouco chega ao comando de empresas e governos. A ver.

Na outra ponta estão os que enxergam as redes sociais como o estilingue de celebridades, braços virtuais de mídia impressa fofoqueira e a estigmatizam no perfil do jovem conectado, supérfluo e ególatra. Um palco dos anônimos com seus perfis falsos prevalecendo sobre as fontes de credibilidade. Como pode, então, um lugar desses, onde as pessoas contam suas trivialidades cotidianas à base de ¿esquisitices¿ como ¿hashtags¿e ¿memes¿, ser um ambiente de transformação social? Como pode ser a via da ampliação do conhecimento ou interferir no enforcamento de uma mulher no Irã? Podem pressionar governos?

E há os ponderados otimistas ¿ onde me incluo ¿ que acreditam na malha das conexões virtuais como uma das mais revolucionárias formas de disseminação da informação até agora disponíveis para o homem. Traz os mesmos ventos que ¿libertaram¿ os livros dos mosteiros e iluminaram o conhecimento humanístico.

Acredito que as redes sociais redimensionam notícias e causas locais para as comunidades internacionais das redes. E mais: as transbordam rapidamente para a comunicação off-line, fazendo-as alcançar até mesmo quem não é conectado. Apesar desse alcance, não considero que o apoio de causas nas redes sociais as credencie a um protagonismo transformador desse porte.

É fato que as redes sociais são, sim, uma importante via de acesso e distribuição de informações. Nelas não há noite, não há silêncio, não há toque de recolher, não há o verbo apagar e censurá-las é praticamente impossível. Com essas características podem criar cauda longa para temas que há alguns anos nem chegavam. Ou simplesmente não ganhavam status de debate porque já era tarde demais. É um bumbo potente, com ressonância e que ajuda a jogar luz sobre o debate de sombras ditatoriais, por exemplo. Mas nem por isso é o protagonista das mudanças de forças institucionais. A sociedade é mais complexa. Os meios de comunicação e relacionamento (como as redes) são parte e meio. E como tal devem ser exaustivamente usados. Conta também nessa dinâmica que mais pessoas estão inseridas nessa conversa. Isso nos deixa melhores como espécie para debater nossas posições no mundo. Nesse lugar a rede funciona como o perfeito amálgama. Pensar além disso é criar roteiros de ficção científica. Esta é uma visão de hoje, pois a ordem de transformação é tão ágil que este artigo, em pouco tempo, pode ficar datado. A ver.

RISOLETTA MIRANDA é jornalista diretora- executiva da FSB PR Digital.