Título: Déficit acima da China, e abaixo dos EUA
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: O Globo, 02/02/2011, Brasil, p. A6
O déficit nominal ficou em 2,56% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, um número confortável para o resultado das contas públicas que inclui os gastos com juros, especialmente na comparação internacional. O rombo é bem mais baixo que os cerca de 10% do PIB registrados nos EUA e em vários países da Europa, embora o desempenho fiscal do país tenha sido pior do que o de emergentes como China e Chile. O resultado de 2010 indica que não há risco de insolvência no setor público, mas os analistas atacam a qualidade da política fiscal, marcada por forte aumento de gastos.
Mesmo quando se exclui o impacto da operação de capitalização da Petrobras sobre as receitas do governo, equivalente a 0,87% do PIB, a magnitude do déficit nominal segue num nível que não assusta, em 3,43% do PIB. Por esse critério, contudo, há uma piora em relação aos 3,34% do PIB de 2009.
"O número em si é razoável, num contexto internacional de déficits elevados, como o dos países da Europa", diz a professora Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O problema, segundo ela, é que o déficit nominal não traduz a recente deterioração fiscal, caracterizada por "expansão desenfreada de despesas". Margarida diz que a situação fiscal só se mantém relativamente boa porque a arrecadação tem crescido a um ritmo bem superior ao do PIB. Com a economia em forte crescimento e os efeitos da crise já no retrovisor, 2010 era o momento de moderação dos gastos, e não de aceleração.
É uma situação bem diferente da dos países europeus, diz Margarida. Para combater a recessão, eles aumentaram fortemente as despesas públicas, também afetadas pelas operações de salvamento do sistema financeiro. Isso fez os déficits nominais explodirem na Europa. No Reino Unido, o rombo nas contas públicas ficou em 10,1% do PIB e na Grécia, em 9,7% do PIB, um pouco acima dos 8,9% do PIB dos EUA, segundo números da revista The Economist .
Em alguns países emergentes, porém, o déficit nominal ficou abaixo do brasileiro. Na China, o rombo ficou em 2,2% do PIB, enquanto no Chile houve um pequeno superávit, de 0,2% do PIB, de acordo com estimativas da The Economist. Um ponto importante, como lembra o economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria Integrada, é que os juros no Brasil ainda são muito elevados - a Selic está em 11,25% ao ano e deve subir mais. Além disso, a dívida pública continua mais alta no Brasil do que em vários países emergentes.
Em 2010, a dívida líquida - que desconta ativos como as reservas internacionais - ficou em 40,4% do PIB e a bruta, em 55% do PIB. Na China, os juros das operações de três meses são de 5,44% ao ano, segundo a The Economist, enquanto a dívida bruta está na casa de 20% do PIB. No Chile, as taxas de curto prazo são de 3,72% e o endividamento bruto, inferior a 8% do PIB.
Em 2008, o déficit nominal brasileiro ficou em 2% do PIB, aumentando no ano seguinte para 3,34% do PIB. O analista sênior para a América Latina da Economist Intelligence Unit (EIU), Robert Wood, lembra que a piora resultou da desaceleração do crescimento e das políticas anticíclicas, marcadas pela redução de impostos e aumento de gastos. Isso levou à redução do esforço fiscal para os juros da dívida (o superávit primário), de 3,42% do PIB em 2008 para 2% do PIB em 2009.
Para Wood, a "impressionante recuperação" da economia brasileira em 2010 permitiria uma elevação mais expressiva do superávit primário, mas não foi essa a opção do governo, que manteve gastos elevados. O superávit ficou em 2,78% do PIB, caindo para menos de 2% com a exclusão da operação da Petrobras. Wood estima para 2011 um déficit nominal de 2,6% do PIB, trabalhando com superávit primário de 2,8% do PIB e gastos com juros próximos aos 5,34% do PIB de 2010. Salto projeta um déficit de 2,8% do PIB neste ano, destacando que o mais importante é definir um programa fiscal crível, que não se limite a 2011.