Título: Ajuste inevitável
Autor:
Fonte: O Globo, 31/01/2011, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Juros e inflação

Ao elevar as taxas básicas de juros em 0,5 ponto percentual para 11,25%, o Banco Central anunciou que havia iniciado um ciclo de aperto monetário. Isso significa que são esperadas novas altas nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).

É natural que tal tendência cause apreensão em círculos empresariais, pois este ajuste já parte de um patamar que situa as taxas de juros brasileiras bem acima da média internacional.

Infelizmente, por uma série de fatores, entre as quais a memória inflacionária que ainda se faz presente na vida econômica do país, as chamadas taxas de juros de equilíbrio no Brasil estão distantes do que é observado na maioria das nações. Nesse caso, para surtir o efeito desejado - fazer os índices de preços retrocederem ao centro da meta fixada pelo governo, que é de 4,5% -, o aperto monetário exige uma dosagem mais forte nas taxas básicas de juros.

Por conta de um longo período de inflação aguda, os agentes econômicos (produtores e consumidores, principalmente) acabaram criando mecanismos de sobrevivência. Esses mecanismos informais de indexação, conjugados aos formais, contribuem, na prática, para realimentar a inflação, e criam barreiras de resistência ao recuo dos preços.(Um exemplo claro está na maneira como o Congresso negocia o reajuste do salário mínimo, ignorando até mesmo regras já estabelecidas).

Então, devido a peculiaridades como estas, a política monetária no Brasil se apoia em taxas de juros que qualquer observador externo classificaria como anormais, mas que, para os brasileiros, hoje até parecem suaves, se comparadas com os níveis alcançados anos atrás.

No entanto, efetivamente a tendência dos juros no Brasil vem sendo declinante desde o lançamento do real. A melhora de variáveis macroeconômicas, como a verificada nos indicadores de solvência externa, levou o Brasil a alcançar o grau de investimento na classificação das agências internacionais avaliadoras de risco. O crédito em moeda estrangeira se tornou mais barato, o que, por sua vez, contribuiu para uma redução das taxas de juros no mercado doméstico.

Os superávits primários sucessivos nas finanças públicas, apesar das interrupções de 2009 e 2010, conseguiram reduzir o endividamento governamental como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o que também foi fundamental para que a curva de juros declinasse mesmo com o crédito se expandindo fortemente.

A queda gradual não chegou a ser suficiente para que as taxas de juros se nivelassem aos padrões internacionais. Não existe uma maldição que condene a economia brasileira a conviver eternamente com juros tão elevados. Porém, não será de maneira artificial que tudo se normalizará. Os juros voltarão a cair naturalmente em decorrência de mudanças estruturais e correções na política econômica, sem as quais a inflação continuará resistindo.

Na conjuntura atual, economias emergentes estão sob pressão inflacionária, até porque contornaram a crise financeira internacional e conseguiram crescer de forma acelerada. China e, agora, Brasil e Índia estão sendo forçados a elevar as taxas de juros para conter essa pressão. Se as prometidas correções na política econômica ocorrerem, o ciclo de aperto monetário poderá ser mais curto por aqui.